quinta-feira, 30 de julho de 2020

O bom da vida



Eu já falei, em uma crônica anterior, sobre minha relação de gratidão com o livro Pollyanna (Eleanor H. Portter) que, com seu “Jogo da alegria”, me ensinou a enxergar o bom que há em todas as coisas. Assistindo a uma palestra, dia desses, aprendi que a felicidade obtida por essa maneira positiva de ver o mundo possui uma explicação científica. Tem a ver com a criação de parâmetros para o funcionamento do cérebro. 
Uma professora de dança de minha filha dizia a ela que é preciso treinar muito os movimentos da coreografia até que eles se tornem automáticos e você não precise mais pensar para executá-los.  É o que acontece, também, quando aprendemos a dirigir: no começo a gente se atrapalha ao reduzir a marcha, sinalizar, observar o trânsito, tudo ao mesmo tempo. Depois, fazemos tudo isso enquanto pensamos no que vamos comer no almoço. Nosso cérebro funciona dessa maneira com tudo. Então, é muito importante prestar atenção em como nós o treinamos.
A cultura ocidental dá muito valor ao que de ruim acontece no nosso dia a dia e é isso faz com que o cérebro registre esses momentos desconfortáveis como prioridade. Gravamos na memória o sofrimento e deixamos a alegria em segundo plano. Nosso cérebro, assim treinado, passa-nos uma sensação de infelicidade, de fracasso.
E como mudamos esse treinamento mental? Segundo os neurocientistas, precisamos educar a mente para que se lembre mais dos bons momentos, treinando até que fique automático (lembram da professora de dança?). Uma forma de fazer isso é acostumar-se a listar, todos os dias antes de dormir, pelo menos três coisas boas que aconteceram nas ultimas 24h. Todos os dias, sem falhar! Depois de algum tempo (21 dias para se adquirir um hábito, segundo alguns entendidos), o cérebro passará a registrar os momentos bons como prioridade. E você perceberá mais dias felizes em sua vida.
Outra coisa importante de se dizer é: o que você avalia como acontecimento bom? Vou dar um exemplo pessoal. Houve uma época em que trabalhei à noite. Eu gostava bastante porque tinha o dia livre para curtir minhas filhas, participar de reuniões e festas na escola etc. Mas me lembro bem do desânimo que me dava sair para trabalhar quando a noite era fria e chuvosa. Todos quentinhos em suas camas e eu saindo de casa. Essa fase de minha vida me faz sentir, hoje, uma alegria imensa por minha cama quente nas noites de inverno. É uma felicidade que enumero em minha lista diária. Provavelmente quem não passou por isso, não se lembre de agradecer por não precisar sair na chuva. Mas é uma coisa boa do dia. Há muitas pequenas felicidades que esquecemos de agradecer por acharmos que são coisas normais. Mas são dádivas que nem todos, ou nem sempre, se tem
Então, a ideia é que, mesmo que tenha sido um “dia de cão” (nunca entendi essa expressão – os cães são criaturinhas tão felizes), ainda haverá essas pequenas felicidades diárias, os presentes do Universo para nós. Focar nelas é educar a mente para ser feliz. 
Meu texto tem o objetivo de despertar a curiosidade pelo assunto. Se alguém quiser se aprofundar, há muito conteúdo na internet.  A palestra a qual me referi no início foi proferida por Gustavo Arns na Maratona da felicidade. Ele tem vários vídeos no youtube e ao procurá-los, o aplicativo irá sugerir outros tantos com o mesmo tema. É um assunto apaixonante que nos leva a reflexão diária e autoconhecimento – chaves para cuidarmos de nós por inteiro.


terça-feira, 21 de julho de 2020

Diversão a um




Quando eu era menina, com meus dez ou onze anos, costumava ir ao cinema sozinha. Na falta de irmãos ou primos para me acompanhar, ou mesmo de uma amiga que morasse perto,  não me inibia em frequentar as matinês na companhia de mim mesma. Essa era, porém, uma das poucas diversões a qual me permitia ir sem alguém no apoio. No resto, não só na adolescência como na vida adulta, tinha sempre muita vergonha de chegar sozinha a qualquer lugar. Quando não podia fugir da situação, tentava ficar imperceptível.   Mas tinha sempre a impressão de que mil olhos me observavam (quanta pretensão). Nessas ocasiões, cada movimento de meu corpo era, por mim, milimetricamente calculado, tornando-me totalmente artificial em gestos e palavras.
Quando me casei, esse problema foi parcialmente esquecido, tendo eu a presença de meu marido na maioria do tempo. Anos depois, ao me divorciar e  mudar de cidade, a questão retornou com força total. Embora minhas filhas fossem, mesmo crianças, excelente companhia, havia momentos em que elas não podiam estar comigo. Eu ficava muito chateada em perder eventos que gostava por causa de uma limitação dessas. Foi então que comecei a buscar, lá no fundo do meu ser, aquela menina que ia ver filmes sozinha. Aos poucos fui conseguindo alguns avanços. 
Teatro e cinema são fáceis. Tentei ir à shows mas não consigo espontaneidade suficiente para dançar e sinto-me muito esquisita imóvel no meio de uma multidão que pula ao meu redor. Barzinho, só se tiver música ao vivo: sento-me lá pertinho do músico e faço de conta que ele está tocando só para eu ouvir - de costas para o resto das mesas, evito sentir (ou imaginar) os olhares questionadores em minha direção.
 Viajar foi um processo lento. Comecei por aceitar os deslocamentos quase compulsórios oferecidos pela empresa em que trabalhava. No início, fiquei bem insegura mas, como tudo na vida, o hábito tornou normal minhas andanças por aí. Às vezes, dependendo do lugar e do estado de espírito, ainda dá aquele friozinho na barriga. Mas a paixão pela estrada é maior e me ajuda a dar uma rasteira na insegurança. Além disso, olhar para toda esta minha história, me dá a certeza de que sou capaz.
Muitos desses medos, além de causados pela timidez, são parte da herança que carregamos de nossa condição de mulher, julgada e controlada durante séculos. Mesmo os homens mais tímidos não se sentem tão avaliados quanto nós, ao sentarem-se sozinhos numa mesa de bar. 
Aos poucos vamos vencendo inibições pessoais e preconceitos históricos que trazemos no coração. Cada uma com suas armas, passo a passo. E seguimos juntas!

domingo, 5 de julho de 2020

Felicidade existe?



Segundo Odair José (quem se lembra dele?), em sua música “A noite mais linda do mundo”, - felicidade não existe, o que existe (...) são momentos felizes. 
Bem mais poéticos, Tom e Vinicius cantaram que
 A felicidade é como a gota/ de orvalho numa pétala de flor:/ brilha tranquila, / depois de leve oscila/ e cai como uma lágrima de amor.
(Em minha opinião, uma das imagens poéticas mais lindas já escritas). 
Tenho na memória uma tarde de sábado: minhas filhas, muito pequenas, desenhavam sobre a mesinha de centro sentadas no tapete; meu marido lia o jornal na poltrona a minha frente e eu, com um livro, acomodava-me no sofá. A casa tinha as divisões de cômodos que eu desenhei, por muitas vezes, nos meus cadernos do colegial. O bairro era arborizado e tranquilo e tínhamos um carro na garagem (simples, pois nunca desejei luxo nesse quesito). Lembro-me bem desse dia por causa da sensação de plenitude que me invadiu. Olhei a cena como um observador externo e pensei:  minha vida está completa. Perfeita. Tudo com o que sonhei estava ali, materializado. 
Foi essa imagem que acessei quando, tempos depois, estudando Programação Neurolinguística, precisei buscar nas minhas recordações um momento em que tivesse me sentido totalmente feliz. Muita coisa aconteceu depois disso e pensar naquele tempo, hoje, me causa muita saudade. O que tento acessar, entretanto, quando penso naquele sábado, é um lugar dentro de mim que guardou a sensação de total enlevo vivida na ocasião.  Eu acho que esses momentos de puro êxtase ficam guardados em nós para sempre em um compartimento da alma. A correria, a ansiedade e a visão negativa que nos assaltam no dia a dia, não nos deixam ver esse cantinho mágico. Aprender onde ele está dentro de nós é, eu acredito, a chave da felicidade permanente. 
Naquela época, eu tinha medo dessa felicidade que eu sentia. Achava que ninguém podia ser tão feliz assim. Ninguém que eu conhecia se dizia feliz desse jeito. Eu achava que o Universo tinha me permitido essa felicidade suprema porque algo de muito trágico iria acontecer em minha vida no futuro. 
Hoje entendo os ciclos da vida, o vai-e-vem que alterna alegrias e angústias. Hoje sei me permitir. Aprendi o caminho desse quartinho da felicidade dentro do meu coração.  Quando a coisa está feia, procuro entrar nele e pescar um desses momentos de magia. Nem sempre é fácil, confesso. Sou teimosa e desaprendo com frequência. Mas quando consigo, tudo fica um pouco mais leve. 
A filosofia Budista ensina que tudo passa, tanto a felicidade quanto a dor. E, apesar do nosso querido poeta ter afirmado que a tristeza não tem fim , eu ouso contestar poetizando:
A tristeza também é uma gota /de orvalho, que cintila ao luar/pranto da aurora/que, ao sol, logo evapora/ e a alegria volta a brilhar...
(com certeza Tom e Vinícius, lá de cima, me inspiraram nessa...) 

Vocês se lembram dos momentos de suas vidas, em que experimentaram essa felicidade de perder o fôlego? Vale a pena buscar essas lembranças para sentir, de novo, aquele calorzinho gostoso no coração. Que tal?