quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Representatividade


 Estava eu assistindo a uma conversa com a querida Joice Zentner na Roda de Gaia (@projetovozdalua), quando tive um sobressalto. “A Luta feminista pelo direito ao trabalho é uma luta da mulher branca. A mulher negra sempre trabalhou.” dizia ela. Eu nunca havia pensado nisso. Quantas outras coisas eu não pensei ainda na vida? E não pensei porque não vivi. Nas questões de raça, conheço um pouco a luta das meninas de cabelo crespo, que na minha época tinham que ser “domados” já que bonito mesmo era o bem comportado liso europeu. Mas não havia percebido que o blush e a sombra, que realçavam minha pele desbotada, não produziam o mesmo efeito em peles com alta melanina, até que a indústria de cosméticos identificou aí um gargalo e passou a produzir maquiagem para a pele negra.

Quantas outras coisas me foram ensinadas como verdades absolutas num mundo organizado por indivíduos brancos e masculinos? Essa formação (branca e masculina) serve de parâmetro para todos as pessoas, não importa gênero ou raça. Os que se assemelham a eles acham tudo natural e nem percebem o quanto os diferentes não se encaixam. Até que os diferentes se mostrem e consigam expor suas diferenças.

Um termo que tem sido muito usado nestes tempos de busca por dias melhores é “lugar de fala”. Meu lugar de fala é o de mulher, branca, acima de 50 anos, moradora de interior, pós-graduada etc. - a gente pode ir restringindo o recorte quase ao infinito. Pois bem. É muito mais fácil para mim entender as dores e delícias das mulheres que me são semelhantes. Fazemos parte de um mesmo grupo. Mas se alterarmos alguns dos fatores, como gênero, raça, escolaridade, geografia, classe social, já encontrarei problemas que talvez não enxergue e não entenda, mesmo que eu tenha empatia pela situação. Um exemplo prático: um secretário de saúde que quer ampliar a gratuidade dos exames de mama nos postos municipais. Por empatia, ele entende a importância dessa ação. Mas na hora da compra dos equipamentos de mamografia, provavelmente, esse homem não vai se lembrar de procurar algum produto que aperte menos as mamas na hora do exame. Porque ele nunca sentiu esse incômodo.

Para concluir, quero deixar aqui registrada minha indignação com os percentuais de representantes municipais que elegemos neste domingo. No eleitorado brasileiro, 51% são mulheres e elegemos 11,6% de prefeitas e 13,6% de vereadoras. São negros 56% dos eleitores, mas só 27,3% dos políticos. Na comunidade LGBTqia+ e com os deficientes físicos a discrepância é ainda maior. Essa conta não está batendo. Tivemos avanços importantes, mas ainda falta muito! A gente precisa repensar nossa maneira de votar, a fim de conseguirmos uma representatividade mais eficiente. Temos algum tempo - até as próximas eleições.


domingo, 1 de novembro de 2020

Pobre ou Sustentável?

 


Meus pais tiveram uma vida difícil, com privações financeiras durante a infância e juventude. Aprenderam cedo o valor das pequenas economias. Poupar recursos, reutilizar, transformar... A criatividade estava sempre em alta na hora de guardar o dinheiro suado conquistado com muito trabalho. 

Assim, se o papel de presente saía inteiro ao desembrulhar a lembrança de aniversário, por que não guardar com cuidado para o mesmo uso ou para encapar meus cadernos no próximo ano letivo? 

A esponja de cozinha, cortada em duas, preservava a mesma eficiência, multiplicada. O saquinho de pão era perfeito na pré-limpeza da louça engordurada, economizando água e sabão, e ainda evitando que a gordura entupisse o ralo da pia. 

Nas mãos habilidosas de minha mãe,  restos de lã e linha viravam colchas, bolsas, enfeites para blusas. As roupas, muitas vezes ganhas de outros membros da família, eram consertadas sempre que possível e transformadas, conforme necessário. Já tive vestido longo de festa que se transformou em curto para o dia-a-dia e depois virou camisola. Meu pai tinha a regra de tirar uma camisa para doar sempre que ganhava uma nova.

Meu pai... alma criativa, vocação para inventor, criava várias soluções domésticas com reciclagem. Da redinha plástica que envolvia a dúzia de laranjas no supermercado, ele fazia uma bucha para tirar os resíduos de alimentos nas panelas; latas de óleo eram cortadas e transformadas em porta-guardanapos e porta papeis de limpeza – os saquinhos de pão que já mencionei; ripas de madeira, que serviam para enrolar tecidos nas lojas, se transformavam em molduras para os quadros que ele pintava; até as telas de pintura eram, muitas vezes, partes de caixas de frutas ou prateleiras de moveis antigos.

Sacos de lixo? Não! Usávamos folhas de jornal que, colocadas da forma certa, viravam um pacotinho para jogar na lixeira do prédio.

Meus pais não sabiam, mas eram pioneiros na atitude sustentável. Éramos, já naquela época, uma família Lixo Zero. 

Nos primórdios da internet, corria um texto divertido que começava assim: “você sabe que é pobre quando: usa copo de requeijão pra beber cerveja, usa garrafa pet para guardar água na geladeira...” e por ai vai, uma lista de atitudes consideradas, na época, depreciativas. Hoje poderíamos criar lista semelhante, com muitos dos itens que constavam nessa outra, mas com o vocativo: “Você sabe que é sustentável e respeita o meio ambiente quando...”

Outros tempos, maior consciência nas ações de consumo e respeito ao planeta. Ações, porém, que não deixam de ajudar a poupar uma boa grana, como me ensinaram meus pais!