terça-feira, 21 de julho de 2020

Diversão a um




Quando eu era menina, com meus dez ou onze anos, costumava ir ao cinema sozinha. Na falta de irmãos ou primos para me acompanhar, ou mesmo de uma amiga que morasse perto,  não me inibia em frequentar as matinês na companhia de mim mesma. Essa era, porém, uma das poucas diversões a qual me permitia ir sem alguém no apoio. No resto, não só na adolescência como na vida adulta, tinha sempre muita vergonha de chegar sozinha a qualquer lugar. Quando não podia fugir da situação, tentava ficar imperceptível.   Mas tinha sempre a impressão de que mil olhos me observavam (quanta pretensão). Nessas ocasiões, cada movimento de meu corpo era, por mim, milimetricamente calculado, tornando-me totalmente artificial em gestos e palavras.
Quando me casei, esse problema foi parcialmente esquecido, tendo eu a presença de meu marido na maioria do tempo. Anos depois, ao me divorciar e  mudar de cidade, a questão retornou com força total. Embora minhas filhas fossem, mesmo crianças, excelente companhia, havia momentos em que elas não podiam estar comigo. Eu ficava muito chateada em perder eventos que gostava por causa de uma limitação dessas. Foi então que comecei a buscar, lá no fundo do meu ser, aquela menina que ia ver filmes sozinha. Aos poucos fui conseguindo alguns avanços. 
Teatro e cinema são fáceis. Tentei ir à shows mas não consigo espontaneidade suficiente para dançar e sinto-me muito esquisita imóvel no meio de uma multidão que pula ao meu redor. Barzinho, só se tiver música ao vivo: sento-me lá pertinho do músico e faço de conta que ele está tocando só para eu ouvir - de costas para o resto das mesas, evito sentir (ou imaginar) os olhares questionadores em minha direção.
 Viajar foi um processo lento. Comecei por aceitar os deslocamentos quase compulsórios oferecidos pela empresa em que trabalhava. No início, fiquei bem insegura mas, como tudo na vida, o hábito tornou normal minhas andanças por aí. Às vezes, dependendo do lugar e do estado de espírito, ainda dá aquele friozinho na barriga. Mas a paixão pela estrada é maior e me ajuda a dar uma rasteira na insegurança. Além disso, olhar para toda esta minha história, me dá a certeza de que sou capaz.
Muitos desses medos, além de causados pela timidez, são parte da herança que carregamos de nossa condição de mulher, julgada e controlada durante séculos. Mesmo os homens mais tímidos não se sentem tão avaliados quanto nós, ao sentarem-se sozinhos numa mesa de bar. 
Aos poucos vamos vencendo inibições pessoais e preconceitos históricos que trazemos no coração. Cada uma com suas armas, passo a passo. E seguimos juntas!

5 comentários:

  1. Parabéns minha amiga pelo seus escritos. Gosto de ler o que você escreve. Parece que estamos sentadas em algum lugar pondo a prosa em dia.

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  2. Comigo também acontecia (e as vezes ainda acontece) a mesma situação. Deixava de ir ou ia sozinho em alguns eventos e minha excessiva timidêz me mumificava a ponto de eu sequer querer sair do local em que eu estava.Mesmo assim, imaginava (e isso me incomodava bastante) que todas as atenções estavam voltadas para mim.Com o passar do tempo e com o auxílio de uma cervejinha de vez em quando me soltei e desinibi mais um pouco e me possibilitou fazer bons contatos e boas amizades.
    Mesmo depois deste processo de mudança ocorrido comigo, tem dias que a gente, mesmo tendo possibilidade de ter excelentes companhias, prefere ficar sozinho, sem falar com ninguém ou então de sair sozinho por aí para espairecer por exemplo.
    Me vi descrito nessa sua crônica (parece que a escreveu para mim).
    Que a partir do fim desta pandemia, todos nós possamos ter mais ocasiões para sairmos, nos divertirmos e principalmente termos excelentes companhias para aproveitarmos o momento. Se tem uma coisa que a pandemia irá nos ensinar (neste período de isolamento social) é querer estar sempre em boas companhias e fazendo o que se gosta.
    Parabéns por mais essa maravilhosa crônica. Sou cada vez mais fã, entusiasta e admirador do seu talento e capacidade com as palavras.

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  3. Conversei sobre isso com uma amiga a poucos dias.
    Dessa falta de coragem pra enfrentar certas situações sozinha. Refletir sobre o assunto vale a pena para ficarmos atentos e não deixarmos mais passar nenhuma oportunidade.

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  4. Mariléia Naves de Avelar Faraco30 de julho de 2020 às 18:07

    Também já passei por algumas situações parecidas. A impressão que tenho é que nós, mulheres, somos submetidas a certos padrões de comportamento tão artificiais que a nossa natureza se incomoda desde pequenas. Precisamos ouvir os nossos instintos para nos permitir a liberdade de sermos nós mesmas.

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