quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Mal na foto, bem na vida

 



Ontem eu estava organizando fotos antigas. Não as que estão guardadas num pendrive. Refiro-me às impressas em papel fotográfico, daquelas nos obrigavam a ter muita paciência para esperar a revelação do negativo e só assim ver como ficaram. Lembro-me que quando o filme era de 36 poses, às vezes, demorava muito para terminar. Sim, porque a gente economizava o máximo. Era tão caro todo o processo que só se batia fotos nos momentos mais importantes. E eram umas poucas, com todo o cuidado para que ficassem bem, tanto no enquadramento quanto nos modelos. Ainda assim, muitas vezes, saiam algumas com cabeças cortadas ou, o que é muito pior, poses horrorosas. Quem nunca teve uma foto em que apareceu falando ou fazendo careta? E aquelas de festas, que a gente sai mastigando ou numa posição pra lá de comprometedora? Se a foto fosse nossa, era só rasgar e ficava tudo bem. Mas se o tal retrato fizesse parte do álbum de casamento de sua prima, melhor fingir que não era você! 
Com as fotos digitais também pode acontecer tudo isso, mas como hoje se tira muitas e muitas fotos sobre um mesmo tema, é só deletar a imagem problemática e postar as que ficaram bem.
No tempo das fotos em papel, o nosso ideal de vida perfeita vinha das novelas da TV. Descendentes diretas dos contos de fadas, eram nosso parâmetro de felicidade.  Ter a roupa da protagonista x, comprar um sofá igual da sala da personagem y, ser bem sucedida como a heroína ou ter todos os nossos desafetos sofrendo as punições impingidas aos vilões, no último capítulo, faziam parte de nossos planos para o futuro. 
Hoje, o modelo de mundo perfeito não depende de roteiro. Salta aos olhos e ouvidos nos vídeos do YouTube, nos stories do Instagram. A internet tornou-se um novo teledrama das oito, mas sem hora para acabar. O fotoshop e outros aplicativos simulam uma perfeição que não existe na vida real. Ainda assim, corre-se o risco de que aquela foto que flagrou você com a empada na boca possa estar rodando por aí na rede social de alguém.
Felizmente, o que traz problemas também oferece a solução. A mesma internet tem possibilitado uma mudança de atitude. Muita gente real está postando o seu arroz que queimou, o penteado que não deu certo ou o corpo cheio de dobras e flacidez. É só procurar. 
A verdadeira mudança, porém, tem que estar em nós mesmos. Entender que a perfeição é relativa e depende de padrões estipulados que mudam conforme a época e a cultura, é libertador. Se soubéssemos disso anos atrás não teríamos rasgado tantas fotos... 
 Rir das próprias gafes, aceitar-se como ser único, valorizar as inúmeras perfeições fora dos padrões que todos nós temos, é o caminho para felicidade. Simulacros de precisão estética e funcional estarão sempre ao alcance de nossos olhos. Cabe-nos identificar seu valor tornando-os metas ou descartando-os de pronto. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Padrões e reflexões

 


Ana Carolina canta “toda mulher gosta de rosas, de rosas, de rosas...” Na primeira vez que ouvi essa música, senti-me excluída. Rosas não são minhas flores preferidas. Gosto mais de orquídeas, margaridas e tantas outras. Lembro-me que, quando era jovem, sonhava em receber um buquê de flores do ser amado, coisa que só foi acontecer muitos anos depois. Mas optar por rosas estava diretamente ligado à TV e suas propagandas de casais apaixonados - um padrão pré-estabelecido. Tive uma colega que detestava quando o namorado mandava enormes buquês para ela no serviço. Ele fazia isso com frequência e sempre dava briga.

 Chico Buarque canta “todo dia ela diz que é para eu me cuidar/essas coisas que diz toda mulher” e eu penso: o que vem primeiro, a ideia de que toda mulher diz isso ou sua real vontade de dizer?

Você já deve ter ouvido que shopping (ou cabeleireiro) é o terapeuta da mulher, assim como o bar (ou o futebol) é o do homem. E como fico eu, mulher, que detesta fazer compras e ir ao salão de beleza, mas adora um boteco e um jogo?

Quantas outras coisas eu não me encaixo, ou, se me encaixo, é de forma imperfeita, por que fui ensinada que assim devo agir? 

Quais atitudes e preferências, na minha vida, são padrões aprendidos e quais são, realmente, a expressão da minha essência?

E mais: quando me sinto satisfeita com algum comportamento meu, estou expressando o que tenho em meu interior ou apenas feliz por agir em conformidade com o que se espera de mim?

Não é só na questão de gênero que os padrões nos afetam. Você talvez já tenha sido cobrada, em sua juventude, por não ter arrumado um emprego ou um cônjuge. E, se casada, pelo filho que ainda não veio. Só uma criança? E a segunda? Ou ouvido frases que comecem com “você já tem idade para...” e depois de alguns anos “você não tem mais idade para...” Ufa!!

 Somos tão diversos, homens e mulheres, e os padrões da sociedade só servem para nos reduzir e limitar. Difícil é se libertar deles...