Hoje
recebemos uma visita ilustre. Um magnífico tucano. Do alto da bananeira do
terreno vizinho, ele olhava o mundo com altivez. Seu bico, de um alaranjado dégradé
brilhante, estilo propaganda de lápis de cor ou, mais moderna, de TV 8K, luzia
ao sol das onze horas. Ficou por ali, tranquilo, posando para as fotos que eu
me apressei a tirar. Estivemos nessa brincadeira por uns dez minutos, até que
ele alçou voo e foi encantar outras paragens. Deixou-me aqui, cismando com meus
botões.
Esse
terreno ao lado de minha casa, repleto de árvores frutíferas, provoca em mim,
com frequência, uma certa indignação pelas frutas não colhidas deixadas a apodrecer.
Sentimento oriundo dos resquícios da cidadã da metrópole, onde comer fruta
direto do pé é um luxo comemorado com efusão. Extasiada pela visão do pássaro
bicudo de olhos azuis, caí em mim: foram as frutas maduras que o atraíram, assim como fazem a
tantos outros emplumados multicoloridos que alegram as minhas manhãs. Passarei
a olhar o pomar, de agora em diante, de maneira mais bondosa.
Dia
desses uma amiga se auto qualificou como “metódica chata”. Perguntei: - Por que
chata? Disse-me que muitas pessoas não veem com bons olhos quem é extremamente
disciplinada. Retruquei que há, na mesma medida, pessoas que consideram
disciplina e método uma virtude (eu, por exemplo, corro atrás dessas faculdades).
Tudo depende do modo como se enxerga. Melhor escolher as avaliações positivas
para usar como parâmetro.
Minha
mãe e minha tia eram pessoas muito diferente. Quando saíam juntas, enquanto a primeira,
ansiosa, ficava de olho na estrada e no relógio, a irmã, mesmo dirigindo atentamente,
não deixava de apreciar o ipê florido à margem da estrada ou a beleza da lua
que surgia. O prazer de viajar não era um sentimento que compartilhavam. Mas,
acima de tudo, olhavam a vida por ângulos diversos.
Ao
longo de minha existência, fui treinando o olhar. Ou será que fui destreinando?
Vivemos acostumados a procurar, antes de tudo, a utilidade das coisas. Mas não
acho que nasçamos assim. Parece-me que o natural, o instintivo, é procurar a
beleza. A vida civilizada vai nos endurecendo e deixamos de enxergar com a alma
para ver só o que os olhos alcançam. E, com um pouco mais de civilização, esses
mesmos olhos só enxergam o feio, o ruim, o difícil. Do que é belo, só o que for
também útil. A mente passa a dominar o olhar e o coração se retira. Os olhos da
alma vão perdendo a luz e a vida vai perdendo a graça. É preciso resgatar o
encantamento da criança que sopra seu primeiro dente de leão, que molha pela
primeira vez, os pés na água do mar. Ele ainda está dentro de nós, como num
pique-esconde, esperando ser encontrado.
Mesmo
em caminhos pedregosos, o modo de olhar a paisagem, a escolha de pontos de
vista diferentes, tornam a caminhada mais colorida e muito mais leve.
“Os
tristes acham que o vento geme, os alegres, que ele canta” (atribuído a Luís
Fernando Veríssimo ou à sabedoria popular)
Lindo texto Lu. Também aprecio o olhar atento, ou desatento?!! Não sei! Mas aprecio um bom olhar. Parabéns pelo texto... Muita sensibilidade. Um olhar atento e atencioso ao que vê, mas muito distante de uma "metódica chata".
ResponderExcluirAmei o texto, especialmente porque já me colocou de frente para a natureza, que amo de uma maneira metodicamente encantada.
ResponderExcluirAdorei o texto Lu.E sou uma mescla: as vezes com a visão endurecida e outras vendo tudo muito colorido.💗
ResponderExcluirMuito! Adoro textos que falam sobre esse olhar que precisamos urgentemente valorizar. Minha terapia é cuidar do meu jardim, quando estou ali nada mais importa. E acabo recebendo as visitas mais belas! ��
ResponderExcluirParabéns Lu adorei o texto falar da natureza é tudo de bom, olhar pra ela então é maravilhoso.
ResponderExcluirComo sempre Lu, adorei o seu texto. Com os anos tenho aprendido a olhar para a natureza com os olhos da alma, é bom demais!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirOi Luciane!
ResponderExcluirPrimeira vez aqui em seu blog. Me senti encantada com a leitura do seu texto. É um modo muito parecido que tenho de enxergar a vida, nos detalhes, nas miudezas que muitas vezes são imperceptíveis a tantos olhares.
Que presente lindo esse pomar "largado" te trouxe! Que privilégio observar esse tucano, ficaria olhando ele por horas... a beleza dessa criatura é hipnotizante! Dá uma paz no coração observar as criações belas da natureza, tudo me encanta!
Foi uma grata surpresa encontrar o seu espaço de escrita.
Um abraço!
Parabéns pelo texto Luciane.As circunstâncias do mundo atualmente,(dificuldades, violência, problemas sociais, desemprego, etc) meio que automaticamente, nos faz ter um olhar negativo das coisas, sempre pensando no pior, na derrota e no fracasso.
ResponderExcluirHá tanta coisa boa para se olhar e admirar na vida (o próprio tucano é um exemplo).Temos o hábito de olhar apenas a utilidade das pessoas, mas deveríamos olhar o significado (essência, caráter, valores, pequenos detalhes) delas. Tem pessoas que são luz, são paz e são bençãos na vida de outras.
Nascemos com esses dois olhares em nós (o belo e o feio), tudo depende de qual exercitamos mais.
È aquela semelhança do leão bom e mal existentes dentro de nós. Tudo depende de qual a gente irá alimentar!!!
Parabéns pelo belíssimo texto!!!
Beijos!!!
Belíssimo texto Lu. Acho que devemos nos policiar mais em relação aos nosso olhares....
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