quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Posso te ligar?


 Dia desses alguém me disse que encontrou uma amiga minha no supermercado e me perguntou: “Ela ainda está morando aqui na cidade?” Respondi que não sabia, que fazia tempo que não falava com ela. “Mas vocês não são amigas, não ligam uma para outra?”

Esse questionamento, com surpresa na voz, disparou em mim uma reflexão. 

Em minha infância e adolescência, ouvia, quase diariamente, a reprimenda: “Telefone é só para dar recado, olha o tempo da ligação! A conta vai vir um absurdo!” Era uma época diferente, quando os impulsos telefônicos eram muito caros e a situação financeira bem ruim. Ainda assim, eu ficava horas e horas com minhas amigas, só batendo papo. Minha mãe ainda lembrava: “Deixa pra ligar à noite, depois das oito, que é mais barato!” e eu respondia: “Não se preocupe, foi ela que ligou” – o que nem sempre era verdade, mas me garantia o aval para falar mais uns minutos.

Outra coisa comum na minha casa eram declarações do tipo: “Estou com saudades de minha prima. Acho que vou ligar perguntando da filha que fez prova de concurso, assim aproveitamos para conversar...” ou “Fulano ligou. Acho que o que ele queria era perguntar se a gente ainda morava aqui perto do irmão dele...” Ou seja, telefonar para alguém tinha que ter um objetivo prático além da simples vontade de falar com a pessoa. Era o telefone para dar recado. Telefone para fazer um convite. Telefone para informar um falecimento. 

Talvez a vida em São Paulo faça isso com as pessoas... Moradores das metrópoles, escravos da objetividade. Ou eram os tempos difíceis, de muita economia e pouca disponibilidade para jogar conversa fora... Não sei. Mas noto que ficou uma marca muito forte em mim.  Tornei-me avessa ao telefone. Resolvo o que posso por escrito, seja por e-mail, messenger ou whatsapp. 

Sei bem como isso restringe a espontaneidade de uma conversa. E eu ainda presa aos conceitos aprendidos lá atrás... É claro que um pouco de timidez e a facilidade que tenho em me expressar por escrito são ingredientes importantes, também, para esse meu comportamento tão pouco telefônico. 

Mas perceber nossas limitações é o primeiro passo para vencê-las. Estou no caminho.

E confesso que adoro quando alguém me pergunta: “Posso te ligar?”