domingo, 28 de julho de 2024

Segredos

 

Levantou-se, esfregou as mãos para tirar a sujeira do asfalto, pegou a mochila e correu para casa. A adrenalina não a deixava perceber a dor do joelho esfolado. Antes de abrir a porta da sala viu o rasgo na calça.

- Minha mãe vai me matar.

Entrou, tentando não fazer barulho, mas a avó veio da cozinha, enxugando a mão no pano de prato. Olhou diretamente para suas pernas:

- O que aconteceu?

- Caí na escola. Estou bem.

A avó mal ouvira e já havia ido buscar o temido remédio para machucados, que ardia até a alma!  Suportou em silêncio, enquanto avaliava se teria, ali,  uma cúmplice. Melhor não. Preocupada, ela acabaria abrindo o bico. E a mãe não poderia saber jamais!

- Me dá sua calça de uniforme. Vou cerzir e vai ficar como nova, você vai ver.

A avó era um anjo em sua vida. Tinha tanta paciência... falava tão mansinho... Ao contrário da mãe, sempre correndo, sempre brava. A menina adorava quando era a avó que penteava seu cabelo crespo, que amanhecia embaraçado como um ninho de passarinho. Ela pegava mecha por mecha, começando o desembarace pelas pontas e depois subindo até a raiz. Era como um cafuné. Já a mãe, sempre apressada, com horário para chegar ao emprego (que não podia perder, pois era o que sustentava as duas), forçava o desembarace da raiz à ponta. A cada investida do pente, um grito e uma bronca.

O joelho ainda doía, agora liberto do atrito do tecido de tergal do uniforme que ela trocou por um shorts. A palma das mãos também estavam esfoladas, percebia agora. Melhor não mostrar a avó para que não viesse com o remédio maldito outra vez. Preferia quando ela espremia as folhinhas daquela planta que tinha no vaso do quintal,  que ninguém sabia o nome (nem a avó), mas todos já haviam experimentado seu efeito cicatrizante. E o melhor: não ardia! O vaso, porém,  não resistiu ao extremo calor do último verão.

Abriu a mochila. O impacto bagunçou tudo. Ah, não! Amassou a garrafinha de levar suco! Saiu de mansinho e a deixou no lixo do prédio ao lado.

- Vó, você pode me dar uma garrafa de suco nova? Perdi a minha no recreio. Minha mãe vai brigar comigo...

- Amanhã vou à Vinte e Cinco com sua tia e compro. Diga à sua mãe que esqueceu aqui. Depois falo com ela.

O primo chegou. Trouxe figurinhas do álbum da Copa 74 para trocarem. Ela tinha Rivelino e Piazza, que faltavam a ele. Mas ele só tinha uma que ela precisava: do Goleiro Croy da Alemanha Oriental. Enquanto ele procurava outra, ela pensava. Essa Copa veio a calhar para  entender os conceitos de oriental e ocidental que estava estudando na escola. Olhando pro mapa, Alemanha Ocidental ficava do lado esquerdo e a Oriental do lado direito. Mas pensando com o corpo, era o contrário.  Oriental no braço esquerdo e ocidental no direito, norte na frente, sul atrás. Falou alto esta última frase, estalando os dedos para identificar os lados. O primo a chamou de maluca. Ela o chamou de tonto. Mas só começaram a brigar mesmo quando ele tentou convencê-la a ficar com uma figurinha repetida, do Cruyff da Holanda, alegando que era muito cobiçada e seria fácil trocar.

-Tá achando que sou boba, né? Nem pensar. Pode guardar seu holandês.

Ele saiu pisando duro, só com o Rivelino. E ela voltou a se preocupar com o ocorrido. Horas passando, medo crescendo.

Quando a mãe chegou, à noitinha, a menina estava toda preparada para mentir sobre o joelho. Mas as perguntas não vieram. Com o rosto expressando o cansaço de um dia especialmente difícil no escritório, a mulher mal entrou, mandou que pegasse a mochila e se despedisse da avó para irem para casa.

Na saída do prédio, duas vizinhas conversavam.

- O zelador estava me contando que hoje, na hora do almoço, ali na rua debaixo, aconteceu...

A menina gelou. Olhou para a mãe que, distraída com seus pensamentos,  nem viu as duas fofoqueiras.

- Vem, mãe, corre. O ônibus tá vindo.

No dia seguinte, já mais calma, teve, porém, o cuidado de fazer o caminho orientado pela mãe, mais longo, na volta da escola. A avó, ao recebê-la com o carinho de sempre, perguntou do joelho e lhe entregou a garrafa de suco nova.

- Toma cuidado com essa.

- Pode deixar.

Disse que iria à reunião da Seicho-no-ie e faria uma “forma humana” (uma espécie de pedido de oração) de saúde pra ela, para a breve cicatrização do machucado. Mandou que tivesse pensamento positivo, como sempre fazia. Não permitia que as filhas, as netas e os netos proferissem palavras de desanimo ou auto-depreciação. “As palavras têm poder” , dizia ela.

Mais tarde, a menina foi ao jornaleiro comprar revistas em quadrinhos e, para sua surpresa, o homem lhe perguntou:

 - Você não é a menina que....

 Enquanto ele falava, o medo cresceu. Ele havia visto, claro! Foi bem ali em frente.

 - Não, você me confundiu com alguém.

Saiu depressa, sem comprar nada.

E se ele contasse para a sua avó? Ou pior, para sua mãe? Era um temor sem fundamento, já que nenhuma das duas frequentava aquele lugar. Mas medo é racional? A menina nunca mais passou na frente daquela banca de jornal.

A derradeira cutucada no pavor veio em forma de pesadelo, naquela noite. Um jornal dançava diante de seus olhos com uma notícia em primeira página:

MENINA DESOBEDECE A MÃE, ATRAVESSA FORA DA FAIXA E SE DÁ MAL

A menor LMC voltava da escola quando, ao descer do ônibus, atravessou a rua distraidamente no meio do quarteirão. O fusca freou mas não conseguiu evitar o impacto. Com o choque, a criança voou junto com sua mochila, aterrissando na outra pista que, por sorte, estava vazia. O motorista tentou prestar socorro mas a menor, com o joelho esfolado, se evadiu do local.

O tempo passou. A mãe envelheceu, a avó morreu e a menina, já mulher, nunca teve coragem de contar a mãe sobre o dia em que, por não seguir suas ordens, tinha sido atropelada. Não contou esse e nem tantos outros segredos, em escalas de gravidade maiores ou menores. Não contou nunca, nada.

 

Vó, avó, Vovó


Dia 26 foi o Dia dos Avós! Há avós de todo tipo, permissivos ou mandões, sérios ou brincalhões, dizia um texto compartilhado na internet. E eu me lembrei nos meus.

Enquanto todas as crianças que eu conhecia já haviam perdido pelo menos um dos avós, eu tive a sorte de ter os quatro até meus 14 anos. E, sim, tinha os amorosos e alegres, e os rabugentos e severos. E, para minha cabecinha infantil, eles estavam em pares trocados. De um lado, um avô severo era casado com uma avó boazinha. De outro, a brava era avó, fazendo par com um avô divertido.

Minha avó mais brava, na verdade, não era brava comigo. Sua fama de outros tempos é que assustava: dizem que jogava água nos moleques que pulavam o muro da velha casa onde morava para roubar as mangas do pomar. Era sistemática, é verdade. Não gostava que arrumassem suas coisas e sempre tomava chá com leite numa caneca de ágata, só nela. E não era dada a sorrisos. Só ria muito com as brincadeiras de meu pai. Já a conheci doente e fui sua companheira algumas vezes, quando já não podia ficar sozinha. Era casada com o avô alegre. Poeta, cronista, carnavalesco, tinha sempre uma história interessante para contar. Usava uns óculos que deve ter sido o inspirador da expressão “fundo de garrafa” (daquelas de guaraná, sabe, verde?) Tinha uma careca à la Drummond, que ele cobria com um elegante chapéu estilo 1930.

Do outro lado da família, o avô bravo conversava pouco e, quando falava, tinha uma voz de trovão, grave e rouca, que impunha respeito. Motorista de praça (hoje chamado taxista), entendia de carros e de caminhos como ninguém. Adorava passear com a família nos arredores da cidade ou em cidades próximas. Eu me lembro do seu DKV vermelho alaranjado - ou seria marrom desbotado? - quatro portas, um carro que hoje só existe com colecionadores. Sua esposa, a minha avó, foi a pessoa mais próxima de mim depois de meus pais. Moramos com eles por algum tempo e mesmo quando nos mudamos, eu passava as tardes em sua casa, depois da escola. Sua comida era divina, sua voz muito macia e tinha mãos de fada para desembaraçar meus cabelos cacheados e rebeldes.

As avós de minhas filhas, ambas já viúvas quando elas nasceram, são muito diferentes uma da outra. Enquanto a de lá é a típica avó dona de casa, que faz quitandas e vive com a casa cheia de netos, a de cá trabalhou fora até os 80 anos e tinha pouca afinidade com a cozinha. A boazinha e a brava. Certa vez, ao ver uma das netas elogiar o feijão delicioso da outra avó, minha mãe se sentiu culpada por não ser uma avó que faz comida gostosa para as netas. Eu, então, mostrei-lhe uma foto em que minhas filhas estavam paramentadas com as bijuterias e lenços dela. Elas adoravam pegar a caixa de colares dessa avó para brincar de gente grande. A avó das comidas não usa colares. Minhas filhas tiveram a sorte de ter experiências bastante diversas com as matriarcas.

E eu? Vira e mexe me perguntam se já sou avó. Sim, sua avó por afinidade dos netos do meu ex-marido. Com muito orgulho, os ouço me chamar de vó Lu e sei que, mesmo que não nos vejamos sempre, há muito amor envolvido. Quanto aos biológicos, não cabe a mim decidir. Se vierem, serei feliz, se não vierem, serei feliz igual. 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Gratidão

 


Sempre tive boa memória para números. Assim, sou capaz de lembrar seu aniversário, telefone, CPF... mas se encontrar você na rua, posso ter dificuldade em lembrar seu nome. Sério!

Acordo pela manhã, olho a data e digo para mim mesma: - hoje é aniversário do fulano. Às vezes é alguém muito antigo em minha memória, como colegas de escola, por exemplo. Lembro-me da data de uns tantos que estudaram comigo quarenta anos atrás. Nunca mais falei com eles, nem sei se se lembram de mim. Mas eu me lembro deles no dia de seu aniversário.

Em minha vida de tímida, sempre considerei datas de aniversário e Natal como ótimas oportunidades para manter contato com as pessoas. Ter um pretexto para falar um “oi” para um amigo ou parente com quem não falo há tempos, para mim, é uma dádiva. Tem gente que liga de vez em quando por nada, só para saber como a gente está. Pessoas iluminadas! Eu preciso de um pretexto para começar a conversa, um assunto inicial. E nada melhor do que “Parabéns!”

A internet facilitou muito a vida e já não preciso mais me lembrar das datas (embora ainda me lembre) e nem ter um caderninho com elas anotadas (embora ainda tenha). O Facebook faz isso por todos nós.

Terça-feira última, meu aniversário, tive o prazer de receber 99 felicitações nessa rede social, fora as outras redes, mais diretas, e telefonemas. Amigos e conhecidos que acharam importante tirar uns poucos minutinhos do seu dia para manter vivo o contato comigo. Isso aquece o coração, sabe? Sempre aquece. E neste momento da humanidade, quando os contatos físicos estão tão escassos, aquece ainda mais! Senti-me abraçada, acarinhada, feliz. Li cada mensagem com sorriso largo e olhos úmidos de emoção. O dia foi curto para responder com um textão a cada um, mas deu vontade.

Naquela noite, quando fui dormir, minha lista de gratidão ao Universo foi a maior dos últimos tempos. Agradeci pela vida, pela família, pelos amigos próximos e distantes. Agradeci as inúmeras oportunidades que a tecnologia oferece, nos conectando por todo o planeta, não importa a distância. Agradeci a todas as mãos e cérebros que criaram e mantém os programas e dispositivos maravilhosos que usamos para essa conexão. E, sobretudo, agradeci por saber agradecer, por enxergar cada minuto de alegria e privilégio que a vida me proporciona.

Gratidão a todos vocês que fazem parte do meu mundo e que dividem comigo essa casa chamada Terra. Vocês tornam minha vida mais feliz!

 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Irmãs

 


 

 A língua é viva, já dizia Olavo Bilac e D. Clotilde, minha saudosa professora da faculdade de Letras. Modifica-se e movimenta-se no espaço e no tempo. Palavras ora surgem, ora entram em desuso, pela ação, segundo estudos mais recentes, da estrutura social de seus falantes, que, por sua vez, também não é estática.

 Sororidade é uma dessas palavras novas. O termo vem do latim “soror” que significa irmã, e surgiu a partir do movimento feminista para designar o sentimento de união, empatia e solidariedade entre mulheres e em oposição a rivalidade, estimulada em outros tempos. A teoria de dividir para subjugar, muito usada nas guerras, era também incutida na educação das meninas, evitando que se rebelassem. É um conceito novo para muitos de nós, que crescemos ouvindo o discurso de que mulheres têm que ser rivais, especialmente quando se trata de atenção masculina ou de padrões de beleza.

Tenho observado que esta realidade – considerar outra mulher como rival - ainda povoa grupos de mulheres da minha idade. Comentários sarcásticos e depreciativos são comuns em alguns ambientes femininos, principalmente sobre aquelas que não fazem parte do grupo.

Exemplos baseados em fatos:

1 - No grupo de ginástica para mulheres maduras(?), na academia, uma das integrantes não se achava bem entrosada com o resto, talvez por sentir-se diferente, já que seu corpo estava bem longe dos padrões de peso impostos pela sociedade. Naquele dia, o professor usou na aula uma música que ela adorava e, sem pensar muito, a mulher soltou o corpo em alguns passos de dança. O resto do grupo, então, começou a caçoar a meia voz (algumas, mais maldosas, em voz inteira). Senti-me de volta ao ginásio, com o “bulling” correndo solto.

2 - Na mesma academia, mesmo grupo, o amado professor saiu em férias e a substituta, recém-formada, deu uma primeira aula cheia de insegurança, ocasionada pela pouca experiencia e, talvez, pela intimidação que aquelas mulheres mais velhas lhe causavam. Mais uma vez, os comentários depreciativos correram à boca miúda. Voltei novamente ao passado, desta vez aos meus primeiros dias em sala de aula como professora. Como eram assustadores todos aqueles olhares, esperando que eu fosse perfeita...

Não se trata, aqui, de ter afinidade com todas as mulheres do grupo, mas de manter o respeito e a empatia. Estender a mão a uma companheira em apuros, ser compreensiva com as dificuldades alheias, receber com gentileza um novo membro no grupo, são atitudes que devem ser praticadas com todos os seres. O que a sororidade nos lembra é que, por termos a afinidade do gênero, fica ainda mais fácil percebermos as dores umas das outras.  

Felizmente, as novas gerações começam a entender a força dessa cooperação ancestral. Acredito que nossas netas e bisnetas já usufruirão da ideia de que a sororidade é um sentimento inerente à energia feminina e a cultivarão com naturalidade.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Sobre trânsito e luz

 Ontem eu estava dirigindo para um compromisso, já atrasada, quando percebi, a frente, um carro tentando sair de ré do estacionamento da farmácia. Sem pensar muito, parei para lhe dar passagem. Uma cordial buzinadinha dele, a minha em resposta, seguimos em frente. Fui, então, acometida de um bem-estar delicioso. Aquela manhã, que havia começado cheia de desânimo e dor de cabeça, de repente se transformou.

Gosto sempre de entender como e por quê os sentimentos se manifestam em mim. É claro que fazer uma gentileza é sempre gratificante, mas ali havia mais. Pensei um pouco e consegui identificar dois motivos:

O primeiro tem relação com uma deficiência minha, que é a dificuldade em ser gentil, especialmente no trânsito, quando estou com pressa. Costumo dizer que a pressa é a mãe da falta de educação. Já repararam como na correria esquecemos dos bons modos? Observo isso em muita gente. Correr contra o relógio nos faz agir rispidamente com qualquer um que atravesse o nosso caminho, como se o mundo tivesse culpa pelo nossa atraso. Pois bem, naquele meu momento, estar atrasada e, ainda assim, parar para dar passagem a alguém, foi uma vitória inestimável sobre meu ego, uma superação.

O segundo motivo refere-se a algo que aconteceu logo depois de minha atitude com o colega motorista. Na esquina seguinte viramos, ambos, na avenida e pegamos faixas diferentes. Pelo retrovisor pude ver que o favorecido de minha gentileza era, agora, quem dava passagem a outro carro que deixava uma vaga de estacionamento. Ao ver a cena, me lembrei daquele vídeo que andou correndo a internet há algum tempo, sobre a corrente do bem. Vocês já viram? Vale a pena. Este é o link:  https://youtu.be/QkGwnVVfag8 . Pensar que eu possa ter iniciado uma corrente do bem foi fantástico!

Um dia de cada vez, vou observando a mim mesma, meus sentimentos, minhas reações... Pensando no que quero mudar, no que gosto assim, no que já me serviu e hoje não faz mais sentido. E, dia após dia, vou percebendo alguma pequena conquista, caminhando devagar. Penso que é assim que o mundo vai melhorando, com cada um cuidando da sua evolução interior, lenta, mas continuamente.

Um céu estrelado é composto de cada ínfima luz que enxergamos. É o conjunto delas que cria a beleza, a harmonia. Sejamos luz sempre que for possível. E que possamos contar com as outras luzes nas vezes (cada vez menos frequentes) que só consigamos ser escuridão. Paz e bem para todos nós!

 

quarta-feira, 3 de março de 2021

Tempo, esse danado!

 


Eu adoro ver vídeos e programas de viagens. Sábado,  assisti #pedropelomundonognt, episódio Etiópia. Muito legal.

Vocês sabiam que lá o calendário é diferente do nosso? São treze meses e há um atraso de sete anos. Tudo por causa de uma divergência na determinação da data de nascimento de Jesus Cristo entre a religião predominante no país, a Católica Ortodoxa, e o cristianismo do mundo ocidental que conhecemos.

As horas por lá são contadas de maneira diferente também. O dia começa quando o sol nasce. Assim, o que é seis da manhã para nós, para eles é zero horas (cuidado ao marcar um compromisso com um etíope!)

Aprendi muito mais coisas bacanas no programa, mas esse lance de medição do tempo me impactou: como é diversa nossa relação com este que é, ora carrasco, ora balsamo, em nossa vida. Passamos a existência tentando lidar melhor com ele.

Nas últimas décadas temos conseguido estendê-lo de forma inesperada. Estamos vivendo mais. Com a vacina chegando e os calendários de vacinação sendo divulgados, o Brasil definitivamente percebeu que não somos mais um país de jovens. Aliás, tivemos a precisa dimensão do quão mais estamos vivendo.

Quando fiz 50 anos, dizia aos amigos que havia chegado, literalmente, à metade da vida. Virou piada, embora eu falasse sério, bem sério! Realmente acredito ser possível chegar aos 100 e com saúde.

Essa confirmação veio várias vezes nos últimos dias. A mídia mostrou uma boa quantidade de gente acima dos 95, com sorriso no rosto, conversando lucidamente como se tivesse 40. E mais: vi pares, casais. Não viúvos ou viúvas. Casais com 60, 70 anos de matrimônio. Tudo isso só em São Paulo. Na capital, uma enorme quantidade de indivíduos tem mais de 90 anos e há um pouco mais de 1.200 orgulhosos seres humanos que já passaram dos 100!

Jovens, preparem-se! Em breve vão ter que dividir o futuro com seus avós e bisavós. E isso será muito positivo. Essa associação de idades, se bem utilizada, trará dobradinhas como: “vigor e experiência”, “coragem e prudência”, “entusiasmo e serenidade”. Entraremos na era do equilíbrio e da cooperação.

E talvez aprendamos a lidar melhor com essa entidade misteriosa chamada tempo.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Que gracinha é a vovozinha...


 

Fato 1 -Dia desses ouvi, na TV, um executivo de uma empresa de tecnologia que criou um aplicativo para compras online explicar seu produto: “Então a Tiazinha, que está acostumada a comprar na mercearia da esquina, descobre que pode pedir online...” Tiazinha?

Fato 2 - Em um curso que fiz ano passado, dois jovens profissionais de marketing comentavam sobre suas mães que, a seu modo, eram influenciadoras digitais. Postavam seus “Bom dia” e mensagens positivas todos os dias, sendo curtidas por todo seu grande grupo de amigos. “Que gracinha!” - diziam eles, como quem aplaude um bebê.

Fato 3 - Há algum tempo, uma amiga se queixou de como uma jovem atendente de uma instituição de ensino a olhou com descrédito quando ela quis se informar sobre um curso de graduação.

Fato 4 - Mês passado Cris Guerra (@eucrisguerra) publicou um vídeo puxando a orelha de Fábio Porchat sobre o episódio do programa Porta dos Fundos que fazia graça com uma mãe de 57 anos e suas dificuldades com tecnologia. Quem não viu, vale a pena.  

Fato 5 – Antes da pandemia, estávamos várias amigas reunidas e, conosco, a mãe de uma delas, mulher ativa de seus 80 anos. Em dado momento da conversa nós, as meninas, fomos uníssonas num “Que gracinha!”, ao saber que a idosa usava o WhatsApp...

Menosprezar a capacidade física e intelectual dos mais velhos parece ser uma atitude comum nas gerações posteriores. Mas, como qualquer discriminação, não deveria ser normal. É claro que o corpo já não reage tão bem com o passar dos anos. Em compensação, as emoções estão em muito melhor controle! É a dança da vida. E cada vez mais os seres humanos estão chegando mais longe, em idade e adaptação às inovações. A longevidade ativa é assunto relativamente recente no mundo ocidental e ainda estamos nos adaptando. Da mesma forma, como todos os outros preconceitos, é preciso estar atento e aberto a desconstrução destes padrões que excluem e distanciam. E, afinal de contas, chegar à velhice é uma vitória a ser celebrada!