quarta-feira, 24 de junho de 2020

Medo e coragem



Por algum motivo hoje, enquanto caminhava, comecei a pensar em meus medos. É estranho como a mente vai passeando, aqui e ali na memória, fazendo conexões e, de repente, você se vê pensando em alguma coisa aparentemente “do nada”. O pensamento escolhido, desta vez, foi sobre meus temores vencidos.
É muito bom chegar a esta fase da vida e olhar, com alívio, para tudo o que conseguimos vencer. Dá uma sensação de vitória, massageia a auto estima. O medo nos paralisa e, muitas vezes, interfere decisivamente na realização dos sonhos. Vencê-lo nos torna mais livres. Não que eu acredite que deva vencer todos os medos de minha vida. Alguns não me atrapalham, então deixo eles quietinhos, em algum canto esquecido de minha mente. Pular de paraquedas, por exemplo, é um medo que não faz diferença para mim, já que nunca sonhei em viver essa aventura. Já, conhecer o Brasil em quatro rodas é algo que ainda pretendo fazer...
E por falar em rodas, o maior medo que venci na vida foi o de dirigir. Dos meus 18 aos 35 anos fiz nove provas sem conseguir passar no exame de direção. Quando, finalmente, consegui a CNH, na décima tentativa, nem acreditei! Mantive o carro na garagem, por um ano, para não correr o mínimo risco de perder o documento provisório. A essa altura, tantos anos de tentativas infrutíferas, cheguei a deixar de lado meu sonho de adolescente de pegar estrada, ir de carro para São Paulo e dirigir por lá com a desenvoltura que admirava em minha tia Cláudia (a melhor motorista que já conheci). Dirigir na pequena cidade onde morava já era maravilhoso, pensava. Era o medo me paralisando de novo. Logo percebi e fui à luta. Hoje vou a São Paulo, a Santos, pego a Dutra... desço até a serra de Cunha!
Venci muitos outros medos durante essa jornada. O de cachorro passou totalmente quando adotei meu cãozinho Theo.  O de baratas foi controlado quando me tornei mãe e não pude mais me dar ao luxo de deixar de fazer almoço por causa de um inseto no meio da cozinha. O de dormir sozinha em casa melhorou com a maturidade, mas ainda me assola, vez por outra, conforme meu estado de espírito.
Alguns medos são vencidos todas as vezes que aparecem, numa batalha que parece não ter fim (é o caso da barata!). Outros, depois de derrotados, vão embora com o rabo entre as pernas... E há aqueles que se confundem com vergonha ou timidez.
Andar de bicicleta é um exemplo. Houve uma época em que o veículo de duas rodas era meu segundo par de pernas. Já faz muito tempo. Hoje em dia estou ensaiando para voltar a pedalar. Até já comprei uma, novinha, mas a coragem de sair por ai não veio junto na embalagem. Neste caso, não sei dizer se é medo de cair ou se é vergonha de dar vexame. Ou os dois!
Já há algum tempo venci meu medo de ir a eventos sociais sozinha. Talvez, neste caso, seja uma timidez que foi vencida. Ou seria o medo de enfrentar pessoas que não conheço?
 Enfim...
Pensar em todas essas vitórias me fez muito bem e é uma reflexão que recomendo! Há ainda muitos medos em mim mas, quanto mais caminho nessa existência, mais compreendo que superá-los é uma questão de tempo. Um passo de cada vez e a gente chega lá.
Observação de última hora: achei que este texto fosse a superação de mais um temor – o de confessar meus medos. Mas logo percebi que não é isso que acontece aqui. Confessei coragens, isso sim.
Quais são os pavores inconfessáveis que ainda vivem dentro de mim? Reflexão para a caminhada de amanhã. Assunto de outra crônica? Talvez no futuro...ou não.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Lutos

Um amigo querido, de infância, que não via há anos, deixou a Terra neste último sábado. Notícias como essas nos pegam desprevenidas e mexem com nossa estabilidade emocional. Fazem-nos lembrar que a vida aqui é finita e imprevisível. Como diz o ditado popular: “viva como se você fosse morrer amanhã. Um dia você acerta!”
A morte de alguém reverbera dentro de nós, acordando as lembranças de todos os lutos já vividos. Todos os funerais que passamos, especialmente os dos mais queridos, voltam à memória.
Uma amiga querida, que perdeu o pai também neste sábado, mencionou a hipocrisia dos velórios. Eu já pensei dessa forma. Não gostava de ver as pessoas conversando e rindo do lado de fora da sala, agindo como se fosse uma festa. Evitei esses eventos por muito tempo. Além disso, achava que os enlutados nem percebiam muito bem quem estava lá, tão envolvidos estavam com sua dor, portanto eu não faria falta.
Até que perdi minha mãe. Descobri, então, que todo ritual para velar um corpo, embora de origem religiosa, é, na verdade uma vírgula, uma pausa necessária para a mente se acostumar com a perda. Enquanto o corpo está ali, ainda que sem vida, a gente tem tempo para processar o ocorrido, com direito a viver a dor em seu mais profundo significado. E receber o carinho das pessoas de nossa rede de amigos e conhecidos. Nada como abraços para aconchegar a tristeza com seu respectivo consolo.
Acontece que, em tempo de quarentena, esse momento que nos permite sofrer no aconchego do carinho amigo nos está sendo negado. Não sem motivo, claro. Precisa ser assim. Mas imagino o quão mais dolorosos são os óbitos nesta época. De forma abrupta, o corpo sai do leito de morte direto para o cemitério. Sem pausa, sem respiro...
Uma médica, que atua em cuidados paliativos, falou sobre isso, dia desses, numa live: a dor parece que dói mais, machuca sem bálsamo.
Mas... o ser humano é adaptável. E a palavra de ordem, em 2020, é reinventar. Para amenizar a perda de sua mãe, uma amiga de um grupo de whatsapp que participo, recebeu de nós pequenos vídeos transmitindo palavras de carinho e força. As mesmas que diríamos se fossemos ao funeral.
E a família deste meu amigo, que mencionei no começo, criou o que se pode chamar de velório on line, uma solução muito interessante nesses tempos de contatos virtuais. Marcaram uma homenagem pelo aplicativo zoom e, depois de uma oração de abertura, cada participante, se desejasse, falava um pouco sobre sua relação com o homenageado. Foi lindo e emocionante. Acredito que ouvir cada amigo falar de seu ente que partiu fez, guardadas as devidas proporções, o papel do abraço de condolências e deu a família a pausa tão necessária para administrar esse momento doloroso.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

O amor maduro


Dia dos Namorados... Quantas alegrias e quantas angústias esse dia já causou em nossas vidas! O mito do amor romântico, tão divulgado nas culturas ocidentais e tão reforçado pela mídia de consumo, gera perspectivas irreais e causa muito mais decepções do que prazeres.
Felizmente, a maturidade ajuda a resolver muitos problemas. Depois dos 50, já não amamos da mesma forma. Para mim, pelo menos, muita coisa mudou.
Por exemplo: entendi que, muito melhor do que sermos duas metades de uma só laranja, é sermos duas laranjas inteiras rolando felizes pelos caminhos. E não necessariamente na mesma trilha, embora com clareiras em comum.
Hoje penso que é muito bom dormir de conchinha, mas ter uma cama só para mim de vez em quando é maravilhoso. O mesmo eu digo sobre o chuveiro!
Descobri, com o tempo, que ninguém controla ninguém e confiança e sinceridade são fundamentais para qualquer relacionamento (não só os amorosos). E ainda, que ter direito a escolhas e respeitar as escolhas alheias é um dos segredos do sucesso; e que as expectativas são mesmo um veneno.
Sexo continua importante, mas agora com mais qualidade, porque conheço melhor meu corpo e não faço concessões indesejadas.
Minha geração precisou chegar aos 50 para se libertar de sofrer por amor. Nossos filhos e netos estão mais adiantados, descobrindo cedo o segredo de se relacionar sem sofrimentos. Nem todos, é claro. Mas acho que a Humanidade está a caminho de deixar os padrões idílicos para trás e celebrar o amor em sua forma mais relevante: a que promove a paz e a harmonia.
Feliz dia do amor romântico. Ou não.

domingo, 7 de junho de 2020

Diagnóstico


Sou extremamente distraída, daquelas que passam por pessoas conhecidas sem se dar conta. Vivo no mundo da lua, como sentenciava minha mãe. 
Achei que decorresse dessa distração o fato de ter dificuldades em reconhecer rostos e ligá-los a nomes e lugares. Conversando com minha amiga e professora Zezé, comentei isso. Não é que ela me disse ser assim também? E me deu uma informação preciosíssima: havia lido que isso não era distração, mas uma deficiência real de nome complicado – prosopagnosia. 
Quem nos deu essa informação foi a maravilhosa Martha Medeiros, em uma de suas crônicas. Ficamos, então, sabendo que ela compartilha conosco o problema. Segundo ela apenas 100 pessoas no mundo foram diagnosticadas com isso, mas há quem diga que afeta uma em cada 50 indivíduos. Acredito mais nessa última informação, já que tenho conversado com muita gente que se diz má fisionomista. 
Lendo a crônica dela, fui me identificando. Quantas vezes encontrei pessoas que trabalharam diretamente comigo por um bom tempo e não reconheci, porque estavam num ambiente completamente diferente do que eu estava acostumada a vê-las. E os uniformes, então? Pôr ou tirar um uniforme para mim torna a mesma pessoa em outra totalmente diversa. Já não sei mais quem é. 
Pesquisando no Google, descobri que a disfunção é chamada também de “cegueira para feições”. A reportagem diz que pessoas com a síndrome costumam usar outros parâmetros, como cabelo ou roupa, para identificar as pessoas. É exatamente o meu caso. Ai a pessoa muda o cabelo, troca de roupa e pronto: lá se vai minha estratégia...
Obrigada Zezé e Martha, por me mostrarem que não sou desatenta. A vocês que me leem, reflitam. Aquela pessoa conhecida que não o cumprimenta na festa pode não ser a “metida” que você achou que era. 
A crônica da Martha Medeiros foi escrita em 13 de janeiros de 2013. Acho que se fosse escrita hoje precisaria de um complemento. Se, enxergando o rosto todo, nós, os portadores de prosopagnosia (nunca vou conseguir decorar esse nome!), já não identificamos o fulano, o que fazer agora que, com essas máscaras, só enxergamos os olhos?  Socorro!

NOTA: O jornal Royal Society Open Science publicou um questionário elaborado por um grupo de cientistas britânicos que visa tentar diagnosticar o problema. Eu tirei 90!!! (Sendo 100 o indicativo de reconhecimento facial severamente danificado). Se alguém quiser fazer, eis o link:
https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2015-11-04-tem-dificuldade-em-reconhecer-caras-faca-o-teste-e-descubra-se-sofre-de-prosopagnosia/