quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Natal em família

Natal é festa familiar. É o momento de encontros, de rever quem não se consegue tempo para ver durante o ano. De tentar conviver por uma noite até com os que não são nosso afetos mais profundos. Eu passei natais deliciosos em minha vida onde a reunião familiar estava sempre presente.

Lembro-me da “mesa das crianças” na casa de minha avó, quando eu, meus dois primos e minha prima nos ajoelhávamos em volta da mesinha de centro enquanto os adultos se sentavam todos à mesa principal – meu avô fazia questão, nada de jantar à americana, com pratos no colo..  Nossa briga infantil era sempre pelas coxas do peru que, invariavelmente, ficavam para os dois meninos, restando a nós, meninas, nos contentarmos com as asas. Eu daria tudo por um peru quadrúpede!

Algumas vezes passávamos o reveillon na casa de minha outra tia, irmã de meu pai. Uma festa diferente, com mais gente. Sempre tinha alguém tocando violão e amigos que eu não conhecia. Lá eu era a única criança. Era a época dos canapês e me lembro de nos reunirmos, as mulheres da família, para fazer os petiscos um a um. Eu adorava cortar o pão de forma com o copo, passar maionese e decorar com pedacinhos de azeitonas, queijo, tomate , fazendo enfeites. Era um exercício de criatividade.

Nos últimos anos, passar a noite de 24 na casa de minha tia tem sido minha alegria, pela oportunidade de estar com minha família – e já não brigamos mais pelas pernas do emplumado! Agora falamos da vida, contamos coisas, observamos como nossos filhos cresceram e dividimos recordações.

Nem tudo foram flores e poucas vezes as festas foram totalmente tranquilas em minha infância e adolescência. Meu pai tinha problemas com bebida – eufemismo da época para falar sobre alcoolismo - e as festas de fim de ano eram sempre um gatilho para suas crises.

Mas quando penso nos festejos de minha infância, nunca é disso que me lembro.  

Foi meu pai quem me ensinou a ter uma relação diferente com os presentes. Talvez porque o orçamento não nos permitisse ter o objeto dos sonhos, ele valorizava a forma da entrega. Pacotes escondidos para que eu achasse, cartões com dizeres valiosos... Dos bons presentes, lembro-me de um rádio gravador usado que ganhei. Ele o colocou em um canto sem que eu visse e ligou para gravar. Depois de me fazer conversar alguns minutos, voltou a fita e apertou o play. Levei um susto ao ouvir minha própria voz vinda do fundo da sala! Alguns anos antes, ganhei minha bicicleta, usada também, que foi escondida  na casa. Mais tarde estávamos todos na sala e papai me pediu para pegar algo na cozinha. Com medo do escuro, fui e voltei correndo, nem ascendi a luz. Fizeram-me voltar e clarear o cômodo. Minha reação foi de incredulidade: “De quem é esta bicicleta?”. Da bike lembro pouco, mas a alegria da surpresa ficou marcada para sempre.

Minha mãe tinha especial talento para preparar brincadeiras para festas. Algumas eram adaptadas das confraternizações de encerramento de ano da empresa onde ela trabalhava, a DuPont. Outras, ela mesma criava. Como passávamos todos o natais na casa de alguém,  nem sempre ela tinha oportunidade de aplicar suas ideias. Quando me casei e passei a fazer minhas ceias, pude usar várias de suas brincadeiras e aprendi a inventar outras.

Meus pais me ensinaram, cada um a seu modo, que confraternização de fim de ano não é só sobre comidas e presentes. É sobre criar recordações que aquecem o coração. Sobre dar amor, ser afetuoso, proporcionar alegria – coisas que o aniversariante da data nos veio ensinar.

 Procurei passar isso para frente. Nossas comemorações hoje em dia são recheadas de experiências bem nossas, pequenas coisas que nos identificam como grupo familiar. Este ano fizemos biscoito de gengibre, como aqueles dos filmes - uma tradição americana que Hollywood espalhou para o mundo - uma forma divertida de unir familiares, dar risadas, ter assunto e de plantar lágrimas de alegria e saudade quando, daqui a alguns anos, virarem histórias para filhos e netos.

 


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Um Natal Sustentável

 


Diz a lenda que o primeiro Papai Noel foi São Nicolau que, na região onde é hoje a Turquia, na segunda metade do século III, ajudava secretamente os mais necessitados. Certa vez, jogou saquinhos de moedas pela chaminé, para ajudar três irmãs a terem seus dotes de casamento, evitando que acabassem na prostituição para se sustentarem. Daí a ideia da entrada triunfal nos lares do planeta aproveitada pela mídia, séculos depois.

Em que momento da história o bom velhinho deixou de suprir o necessário para ser o símbolo do consumo exagerado?

Não há dúvida que o Natal ainda é a época em que se pratica mais solidariedade – a ponto de, às vezes, parecer que no resto do ano pessoas carentes não tem necessidades de vestuário e alimento. Mas, cada vez mais, é o exagero que impera nesta data.

Segundo o Instituto Akatu, 30% do lixo gerado durante o ano, no Brasil, é composto por embalagens. Imagine como isso se multiplica em dezembro. Você já deve ter observado as lixeiras, do lado de fora de prédios e casas, no dia 26 de dezembro: um sem número de caixas de brinquedos e eletrodomésticos, plásticos de embalagens, isopores de todos os tamanhos...

Em tempos de cuidado com o meio ambiente, é urgente pensar em como reduzir todo esse exagero.

Avalie: A ceia precisa mesmo ter tanta comida, que pode acabar indo para o lixo? Precisamos começar a aprender medidas mais exatas para os alimentos. A abundância já não é tanta e o desperdício não tem mais lugar em nossa rotina. E com as restrições da pandemia, teremos que nos adaptar mesmo a mesas menores.

Os presentes modernos podem ser do tipo “vale-compras”, assim você tem certeza de que não acabará guardado numa gaveta, sem uso. Ou do tipo “virtual”. Por exemplo, o acesso a um curso, ingressos para eventos, e-books, reservas em restaurantes ou hotéis, viagens... Presentear experiências é enriquecedor.

Mas se a opção for mesmo um presente tradicional, que tal substituir a embalagem por uma ecobag (sacola) de pano, que poderá ser usada depois, transformando um presente em dois. Ou embalar com papel reciclado de outros presentes, criar uma arte com papeis de revista e jornais, driblando, assim, o grande vilão que é o uso único de objetos descartáveis.

Incentivar essa consciência nas futuras gerações é, talvez, a tarefa mais importante dos adultos de nossa era. As crianças são o maior alvo do consumo nesta época. Ensiná-las a consumir com responsabilidade é um desafio que não pode ser abandonado.  Ajudá-las a entender o valor de presentes artesanais, a necessidade de se doar o que não se usa, criar a cultura de presentes compartilhados (avós e pais se unem para um presente muito bacana), orientá-las no descarte responsável das embalagens, são atitudes importantes para a formação dos cidadãos de amanhã.

É fundamental que não liguemos o “piloto automático”, fazendo tudo como sempre se fez. Nosso mundo precisa, urgentemente, de soluções. E algumas delas podem estar dentro do saco do Papai Noel.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O exercicio de dar e receber


 Chegou o fim de ano e a época da troca de presentes. Mesmo em meio à crise e com toda a quarentena, ela acontece de alguma forma. Presentes são fontes de alegria. Ou deveriam ser. Mas nem sempre é assim. 

Muitas vezes, a expectativa atrapalha o processo. Nem todo mundo sabe escolher presentes. No amigo oculto, é um problema. Conheço gente que não gosta de participar porque tem medo de dar algo caro e especial e receber uma coisinha qualquer. Ainda que se estipule uma quantia a ser gasta, ainda que se restrinja a chocolate ou que se dê lista de opções, alguém sempre acaba insatisfeito. 

A intenção do presentear foi se perdendo no tempo. 

Minha mãe fazia crochê como ninguém, mas nunca gostou de dar uma peça feita por ela em aniversários ou natais. Achava que o presenteado ía “reparar” se ela não desse um artigo de loja. Não adiantava dizer a ela que sua peça, numa loja, valeria bem mais do que o presente comprado. É a velha discussão preço versus valor. A vida moderna nos instiga a reduzir tudo a cifrões. Como dizia aquela propaganda, há coisas que não tem preço. E são as melhores.

Lembro-me de um texto que li há alguns anos sobre uma pessoa que, ao receber um jovem morador de rua pedindo alimento a sua porta, puxou conversa, perguntou-lhe da vida. Depois de alguns minutos de papo, ele se despediu. “Espere que vou buscar o pão que me pediu”, disse ela. Ele, já saindo, respondeu: “Precisa não. A senhora conversou comigo. Fiquei feliz”. 

Em minha casa, neste ano, decidimos fazer um amigo oculto de experiências. Funciona assim: os presentes deverão ser vividos. Coisas tipo ingressos de cinema, uma tarde em um café, um almoço de domingo num restaurante, uma pequena viagem... Além de privilegiar esses setores da economia mais prejudicados na pandemia, evitamos o culto ao consumismo. Iniciaremos 2021 com menos objetos e mais encontros. E como estamos precisados de encontros!

Quero, a partir deste Natal, resgatar o verdadeiro sentido do presentear: agradecer o tempo que meu amigo tirou, em sua rotina diária, para pensar num presente para mim. 

Vamos também?

E muita empatia com a inabilidade alheia. 

Feliz dezembro!


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Representatividade


 Estava eu assistindo a uma conversa com a querida Joice Zentner na Roda de Gaia (@projetovozdalua), quando tive um sobressalto. “A Luta feminista pelo direito ao trabalho é uma luta da mulher branca. A mulher negra sempre trabalhou.” dizia ela. Eu nunca havia pensado nisso. Quantas outras coisas eu não pensei ainda na vida? E não pensei porque não vivi. Nas questões de raça, conheço um pouco a luta das meninas de cabelo crespo, que na minha época tinham que ser “domados” já que bonito mesmo era o bem comportado liso europeu. Mas não havia percebido que o blush e a sombra, que realçavam minha pele desbotada, não produziam o mesmo efeito em peles com alta melanina, até que a indústria de cosméticos identificou aí um gargalo e passou a produzir maquiagem para a pele negra.

Quantas outras coisas me foram ensinadas como verdades absolutas num mundo organizado por indivíduos brancos e masculinos? Essa formação (branca e masculina) serve de parâmetro para todos as pessoas, não importa gênero ou raça. Os que se assemelham a eles acham tudo natural e nem percebem o quanto os diferentes não se encaixam. Até que os diferentes se mostrem e consigam expor suas diferenças.

Um termo que tem sido muito usado nestes tempos de busca por dias melhores é “lugar de fala”. Meu lugar de fala é o de mulher, branca, acima de 50 anos, moradora de interior, pós-graduada etc. - a gente pode ir restringindo o recorte quase ao infinito. Pois bem. É muito mais fácil para mim entender as dores e delícias das mulheres que me são semelhantes. Fazemos parte de um mesmo grupo. Mas se alterarmos alguns dos fatores, como gênero, raça, escolaridade, geografia, classe social, já encontrarei problemas que talvez não enxergue e não entenda, mesmo que eu tenha empatia pela situação. Um exemplo prático: um secretário de saúde que quer ampliar a gratuidade dos exames de mama nos postos municipais. Por empatia, ele entende a importância dessa ação. Mas na hora da compra dos equipamentos de mamografia, provavelmente, esse homem não vai se lembrar de procurar algum produto que aperte menos as mamas na hora do exame. Porque ele nunca sentiu esse incômodo.

Para concluir, quero deixar aqui registrada minha indignação com os percentuais de representantes municipais que elegemos neste domingo. No eleitorado brasileiro, 51% são mulheres e elegemos 11,6% de prefeitas e 13,6% de vereadoras. São negros 56% dos eleitores, mas só 27,3% dos políticos. Na comunidade LGBTqia+ e com os deficientes físicos a discrepância é ainda maior. Essa conta não está batendo. Tivemos avanços importantes, mas ainda falta muito! A gente precisa repensar nossa maneira de votar, a fim de conseguirmos uma representatividade mais eficiente. Temos algum tempo - até as próximas eleições.


domingo, 1 de novembro de 2020

Pobre ou Sustentável?

 


Meus pais tiveram uma vida difícil, com privações financeiras durante a infância e juventude. Aprenderam cedo o valor das pequenas economias. Poupar recursos, reutilizar, transformar... A criatividade estava sempre em alta na hora de guardar o dinheiro suado conquistado com muito trabalho. 

Assim, se o papel de presente saía inteiro ao desembrulhar a lembrança de aniversário, por que não guardar com cuidado para o mesmo uso ou para encapar meus cadernos no próximo ano letivo? 

A esponja de cozinha, cortada em duas, preservava a mesma eficiência, multiplicada. O saquinho de pão era perfeito na pré-limpeza da louça engordurada, economizando água e sabão, e ainda evitando que a gordura entupisse o ralo da pia. 

Nas mãos habilidosas de minha mãe,  restos de lã e linha viravam colchas, bolsas, enfeites para blusas. As roupas, muitas vezes ganhas de outros membros da família, eram consertadas sempre que possível e transformadas, conforme necessário. Já tive vestido longo de festa que se transformou em curto para o dia-a-dia e depois virou camisola. Meu pai tinha a regra de tirar uma camisa para doar sempre que ganhava uma nova.

Meu pai... alma criativa, vocação para inventor, criava várias soluções domésticas com reciclagem. Da redinha plástica que envolvia a dúzia de laranjas no supermercado, ele fazia uma bucha para tirar os resíduos de alimentos nas panelas; latas de óleo eram cortadas e transformadas em porta-guardanapos e porta papeis de limpeza – os saquinhos de pão que já mencionei; ripas de madeira, que serviam para enrolar tecidos nas lojas, se transformavam em molduras para os quadros que ele pintava; até as telas de pintura eram, muitas vezes, partes de caixas de frutas ou prateleiras de moveis antigos.

Sacos de lixo? Não! Usávamos folhas de jornal que, colocadas da forma certa, viravam um pacotinho para jogar na lixeira do prédio.

Meus pais não sabiam, mas eram pioneiros na atitude sustentável. Éramos, já naquela época, uma família Lixo Zero. 

Nos primórdios da internet, corria um texto divertido que começava assim: “você sabe que é pobre quando: usa copo de requeijão pra beber cerveja, usa garrafa pet para guardar água na geladeira...” e por ai vai, uma lista de atitudes consideradas, na época, depreciativas. Hoje poderíamos criar lista semelhante, com muitos dos itens que constavam nessa outra, mas com o vocativo: “Você sabe que é sustentável e respeita o meio ambiente quando...”

Outros tempos, maior consciência nas ações de consumo e respeito ao planeta. Ações, porém, que não deixam de ajudar a poupar uma boa grana, como me ensinaram meus pais!


quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Posso te ligar?


 Dia desses alguém me disse que encontrou uma amiga minha no supermercado e me perguntou: “Ela ainda está morando aqui na cidade?” Respondi que não sabia, que fazia tempo que não falava com ela. “Mas vocês não são amigas, não ligam uma para outra?”

Esse questionamento, com surpresa na voz, disparou em mim uma reflexão. 

Em minha infância e adolescência, ouvia, quase diariamente, a reprimenda: “Telefone é só para dar recado, olha o tempo da ligação! A conta vai vir um absurdo!” Era uma época diferente, quando os impulsos telefônicos eram muito caros e a situação financeira bem ruim. Ainda assim, eu ficava horas e horas com minhas amigas, só batendo papo. Minha mãe ainda lembrava: “Deixa pra ligar à noite, depois das oito, que é mais barato!” e eu respondia: “Não se preocupe, foi ela que ligou” – o que nem sempre era verdade, mas me garantia o aval para falar mais uns minutos.

Outra coisa comum na minha casa eram declarações do tipo: “Estou com saudades de minha prima. Acho que vou ligar perguntando da filha que fez prova de concurso, assim aproveitamos para conversar...” ou “Fulano ligou. Acho que o que ele queria era perguntar se a gente ainda morava aqui perto do irmão dele...” Ou seja, telefonar para alguém tinha que ter um objetivo prático além da simples vontade de falar com a pessoa. Era o telefone para dar recado. Telefone para fazer um convite. Telefone para informar um falecimento. 

Talvez a vida em São Paulo faça isso com as pessoas... Moradores das metrópoles, escravos da objetividade. Ou eram os tempos difíceis, de muita economia e pouca disponibilidade para jogar conversa fora... Não sei. Mas noto que ficou uma marca muito forte em mim.  Tornei-me avessa ao telefone. Resolvo o que posso por escrito, seja por e-mail, messenger ou whatsapp. 

Sei bem como isso restringe a espontaneidade de uma conversa. E eu ainda presa aos conceitos aprendidos lá atrás... É claro que um pouco de timidez e a facilidade que tenho em me expressar por escrito são ingredientes importantes, também, para esse meu comportamento tão pouco telefônico. 

Mas perceber nossas limitações é o primeiro passo para vencê-las. Estou no caminho.

E confesso que adoro quando alguém me pergunta: “Posso te ligar?”


quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O óbvio precisa ser dito


 Estava eu, dia desses, na fila do supermercado, quando uma senhora chegou perto de mim e, olhando nos meus olhos, falou através da máscara: “Ela vai voltar. Você vai?” 

Olhei para trás e para os lados para ver se era comigo mesmo. Era. Achei, então, que ela podia ter-se enganado, me confundindo com alguém com quem já estivesse conversando antes - porque a frase que me disse só podia ser a continuação de uma conversa... Enfim, não tive outro jeito senão dizer: “Desculpe não entendi” - ao que ela retrucou: “Você não é minha colega na ginástica? A professora vai voltar às aulas...” 

Só então a luz do entendimento passou por mim! Minha dificuldade em reconhecer fisionomias, aliada a máscara que encobria seu rosto não me permitiram identificar, de pronto, a companheira de exercícios. Ela, por sua vez, parece ter continuado, com a fala, algo que havia iniciado em pensamento.

Quantas vezes já fiz isso? Penso coisas e, ao falar, presumo que o interlocutor captou toda a ideia pensada. Às vezes, acho graça da situação e esclareço a conversa. Pior é quando me irrito por não obter compreensão. Isso é muito comum nas relações com familiares e amigos, quando a intimidade torna tudo permitido. 

Uma variante desta situação tem a ver com a expressão de nossas vontades. Temos o hábito de achar que todos a nossa volta pensam, agem e gostam das coisas da mesma forma que nós. Então, consideramos dispensável explicar o que, para nós, é totalmente claro. E isso acaba causando muitos desentendimentos. Presumir que a pessoa entendeu o que eu pretendia exprimir com determinada palavra ou gesto é abrir a porta para possíveis mal-entendidos.  Pode-se, inclusive, causar problemas dolorosos e de longa duração. Quantas amizades se desfizeram sem que um dos envolvidos nem soubesse o porquê? Anos mais tarde, as coisas se esclarecem, mas o mal já foi feito. 

Na posição de receptor da mensagem, às vezes me pego incomodada com a quantidade de explicações que alguém me dá. Olhando por esse ângulo, melhor explicado demais do que entendido de menos.

O óbvio precisa ser dito, se se quer ter certeza de que a mensagem foi compreendida. A clareza na comunicação é, indubitavelmente, nossa melhor ferramenta para a paz no cotidiano.

No futuro, quando a ciência descobrir uma forma de ler pensamentos e pudermos saber, exatamente, o que se passa na cabeça de nossos semelhantes, resolveremos este problema. Mas, com certeza, criaremos alguns outros... Assunto para uma próxima crônica.


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Florescer


 Minha amiga e professora de yoga Raphaela (@casadosolyoga), em sua aula na semana passada, nos perguntou: - Como é a pessoa que você deseja ser?

Isso me levou a uma viagem no tempo. Lembrei-me do início de minha vida adulta, quando tinha na cabeça, exatamente, a mulher que eu queria ser no futuro. 

Aquele futuro chegou e eu sou, em termos gerais e com algumas modificações, aquela mulher que idealizei. Por isso, quando me foi jogado tal questionamento, assustei-me por não saber o que imaginar.  Sensação terrível essa de já ter alcançado o objetivo traçado na juventude – nunca pensei que diria isso algum dia - e não ter o que almejar. Estacionei na vida e agora vou ficar na janela vendo a banda passar?

Minha querida amiga e professora de dança Maria Inês (@convivarte) mencionou ontem a analogia da vida com o jogo “Resta um” (aquele com os pininhos, que se joga sozinho): só é possível jogar se faltar um pino. Ou seja, só há movimento, no jogo e na vida, quando não se está completo. Parar para pensar sobre isso pode ser a diferença entre viver por viver ou dar um colorido todo especial a nossa existência. Entre vegetar ou florescer.

Desfrutar da plenitude das metas cumpridas e desejos realizados é ótimo por algum tempo. Mas, segundo alguns especialistas, fomos feitos para a ação. Mover o corpo, a mente, a alma. Mover o coração... Parar é estagnar-se. Porque a vida não para nunca. E o status quo de ontem, já não satisfaz hoje e estará ultrapassado amanhã. 

A mulher que almejei ser é ótima para o presente, mas já não servirá para um futuro em que a idade avança, a tecnologia chega, os netos talvez venham... 

Por isso é preciso florescer a cada primavera. A flor que se abriu neste ano não é a mesma que surgiu ano passado, embora igualmente bela.

Meu dever de casa, portanto, é criar a imagem, como fiz há muitos anos, da mulher que desejarei ser daqui para frente.  E florescer, plena e realizada, mais uma vez.

Você tem ideia da pessoa que deseja ser nas próximas estações?


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A alegria que reside no olhar


 

Hoje recebemos uma visita ilustre. Um magnífico tucano. Do alto da bananeira do terreno vizinho, ele olhava o mundo com altivez. Seu bico, de um alaranjado dégradé brilhante, estilo propaganda de lápis de cor ou, mais moderna, de TV 8K, luzia ao sol das onze horas. Ficou por ali, tranquilo, posando para as fotos que eu me apressei a tirar. Estivemos nessa brincadeira por uns dez minutos, até que ele alçou voo e foi encantar outras paragens. Deixou-me aqui, cismando com meus botões.

Esse terreno ao lado de minha casa, repleto de árvores frutíferas, provoca em mim, com frequência, uma certa indignação pelas frutas não colhidas deixadas a apodrecer. Sentimento oriundo dos resquícios da cidadã da metrópole, onde comer fruta direto do pé é um luxo comemorado com efusão. Extasiada pela visão do pássaro bicudo de olhos azuis, caí em mim: foram as frutas maduras que o atraíram, assim como fazem a tantos outros emplumados multicoloridos que alegram as minhas manhãs. Passarei a olhar o pomar, de agora em diante, de maneira mais bondosa. 

Dia desses uma amiga se auto qualificou como “metódica chata”. Perguntei: - Por que chata? Disse-me que muitas pessoas não veem com bons olhos quem é extremamente disciplinada. Retruquei que há, na mesma medida, pessoas que consideram disciplina e método uma virtude (eu, por exemplo, corro atrás dessas faculdades). Tudo depende do modo como se enxerga. Melhor escolher as avaliações positivas para usar como parâmetro.

Minha mãe e minha tia eram pessoas muito diferente. Quando saíam juntas, enquanto a primeira, ansiosa, ficava de olho na estrada e no relógio, a irmã, mesmo dirigindo atentamente, não deixava de apreciar o ipê florido à margem da estrada ou a beleza da lua que surgia. O prazer de viajar não era um sentimento que compartilhavam. Mas, acima de tudo, olhavam a vida por ângulos diversos.

Ao longo de minha existência, fui treinando o olhar. Ou será que fui destreinando? Vivemos acostumados a procurar, antes de tudo, a utilidade das coisas. Mas não acho que nasçamos assim. Parece-me que o natural, o instintivo, é procurar a beleza. A vida civilizada vai nos endurecendo e deixamos de enxergar com a alma para ver só o que os olhos alcançam. E, com um pouco mais de civilização, esses mesmos olhos só enxergam o feio, o ruim, o difícil. Do que é belo, só o que for também útil. A mente passa a dominar o olhar e o coração se retira. Os olhos da alma vão perdendo a luz e a vida vai perdendo a graça. É preciso resgatar o encantamento da criança que sopra seu primeiro dente de leão, que molha pela primeira vez, os pés na água do mar. Ele ainda está dentro de nós, como num pique-esconde, esperando ser encontrado.

Mesmo em caminhos pedregosos, o modo de olhar a paisagem, a escolha de pontos de vista diferentes, tornam a caminhada mais colorida e muito mais leve.

“Os tristes acham que o vento geme, os alegres, que ele canta” (atribuído a Luís Fernando Veríssimo ou à sabedoria popular)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Mal na foto, bem na vida

 



Ontem eu estava organizando fotos antigas. Não as que estão guardadas num pendrive. Refiro-me às impressas em papel fotográfico, daquelas nos obrigavam a ter muita paciência para esperar a revelação do negativo e só assim ver como ficaram. Lembro-me que quando o filme era de 36 poses, às vezes, demorava muito para terminar. Sim, porque a gente economizava o máximo. Era tão caro todo o processo que só se batia fotos nos momentos mais importantes. E eram umas poucas, com todo o cuidado para que ficassem bem, tanto no enquadramento quanto nos modelos. Ainda assim, muitas vezes, saiam algumas com cabeças cortadas ou, o que é muito pior, poses horrorosas. Quem nunca teve uma foto em que apareceu falando ou fazendo careta? E aquelas de festas, que a gente sai mastigando ou numa posição pra lá de comprometedora? Se a foto fosse nossa, era só rasgar e ficava tudo bem. Mas se o tal retrato fizesse parte do álbum de casamento de sua prima, melhor fingir que não era você! 
Com as fotos digitais também pode acontecer tudo isso, mas como hoje se tira muitas e muitas fotos sobre um mesmo tema, é só deletar a imagem problemática e postar as que ficaram bem.
No tempo das fotos em papel, o nosso ideal de vida perfeita vinha das novelas da TV. Descendentes diretas dos contos de fadas, eram nosso parâmetro de felicidade.  Ter a roupa da protagonista x, comprar um sofá igual da sala da personagem y, ser bem sucedida como a heroína ou ter todos os nossos desafetos sofrendo as punições impingidas aos vilões, no último capítulo, faziam parte de nossos planos para o futuro. 
Hoje, o modelo de mundo perfeito não depende de roteiro. Salta aos olhos e ouvidos nos vídeos do YouTube, nos stories do Instagram. A internet tornou-se um novo teledrama das oito, mas sem hora para acabar. O fotoshop e outros aplicativos simulam uma perfeição que não existe na vida real. Ainda assim, corre-se o risco de que aquela foto que flagrou você com a empada na boca possa estar rodando por aí na rede social de alguém.
Felizmente, o que traz problemas também oferece a solução. A mesma internet tem possibilitado uma mudança de atitude. Muita gente real está postando o seu arroz que queimou, o penteado que não deu certo ou o corpo cheio de dobras e flacidez. É só procurar. 
A verdadeira mudança, porém, tem que estar em nós mesmos. Entender que a perfeição é relativa e depende de padrões estipulados que mudam conforme a época e a cultura, é libertador. Se soubéssemos disso anos atrás não teríamos rasgado tantas fotos... 
 Rir das próprias gafes, aceitar-se como ser único, valorizar as inúmeras perfeições fora dos padrões que todos nós temos, é o caminho para felicidade. Simulacros de precisão estética e funcional estarão sempre ao alcance de nossos olhos. Cabe-nos identificar seu valor tornando-os metas ou descartando-os de pronto. 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Padrões e reflexões

 


Ana Carolina canta “toda mulher gosta de rosas, de rosas, de rosas...” Na primeira vez que ouvi essa música, senti-me excluída. Rosas não são minhas flores preferidas. Gosto mais de orquídeas, margaridas e tantas outras. Lembro-me que, quando era jovem, sonhava em receber um buquê de flores do ser amado, coisa que só foi acontecer muitos anos depois. Mas optar por rosas estava diretamente ligado à TV e suas propagandas de casais apaixonados - um padrão pré-estabelecido. Tive uma colega que detestava quando o namorado mandava enormes buquês para ela no serviço. Ele fazia isso com frequência e sempre dava briga.

 Chico Buarque canta “todo dia ela diz que é para eu me cuidar/essas coisas que diz toda mulher” e eu penso: o que vem primeiro, a ideia de que toda mulher diz isso ou sua real vontade de dizer?

Você já deve ter ouvido que shopping (ou cabeleireiro) é o terapeuta da mulher, assim como o bar (ou o futebol) é o do homem. E como fico eu, mulher, que detesta fazer compras e ir ao salão de beleza, mas adora um boteco e um jogo?

Quantas outras coisas eu não me encaixo, ou, se me encaixo, é de forma imperfeita, por que fui ensinada que assim devo agir? 

Quais atitudes e preferências, na minha vida, são padrões aprendidos e quais são, realmente, a expressão da minha essência?

E mais: quando me sinto satisfeita com algum comportamento meu, estou expressando o que tenho em meu interior ou apenas feliz por agir em conformidade com o que se espera de mim?

Não é só na questão de gênero que os padrões nos afetam. Você talvez já tenha sido cobrada, em sua juventude, por não ter arrumado um emprego ou um cônjuge. E, se casada, pelo filho que ainda não veio. Só uma criança? E a segunda? Ou ouvido frases que comecem com “você já tem idade para...” e depois de alguns anos “você não tem mais idade para...” Ufa!!

 Somos tão diversos, homens e mulheres, e os padrões da sociedade só servem para nos reduzir e limitar. Difícil é se libertar deles...



quinta-feira, 30 de julho de 2020

O bom da vida



Eu já falei, em uma crônica anterior, sobre minha relação de gratidão com o livro Pollyanna (Eleanor H. Portter) que, com seu “Jogo da alegria”, me ensinou a enxergar o bom que há em todas as coisas. Assistindo a uma palestra, dia desses, aprendi que a felicidade obtida por essa maneira positiva de ver o mundo possui uma explicação científica. Tem a ver com a criação de parâmetros para o funcionamento do cérebro. 
Uma professora de dança de minha filha dizia a ela que é preciso treinar muito os movimentos da coreografia até que eles se tornem automáticos e você não precise mais pensar para executá-los.  É o que acontece, também, quando aprendemos a dirigir: no começo a gente se atrapalha ao reduzir a marcha, sinalizar, observar o trânsito, tudo ao mesmo tempo. Depois, fazemos tudo isso enquanto pensamos no que vamos comer no almoço. Nosso cérebro funciona dessa maneira com tudo. Então, é muito importante prestar atenção em como nós o treinamos.
A cultura ocidental dá muito valor ao que de ruim acontece no nosso dia a dia e é isso faz com que o cérebro registre esses momentos desconfortáveis como prioridade. Gravamos na memória o sofrimento e deixamos a alegria em segundo plano. Nosso cérebro, assim treinado, passa-nos uma sensação de infelicidade, de fracasso.
E como mudamos esse treinamento mental? Segundo os neurocientistas, precisamos educar a mente para que se lembre mais dos bons momentos, treinando até que fique automático (lembram da professora de dança?). Uma forma de fazer isso é acostumar-se a listar, todos os dias antes de dormir, pelo menos três coisas boas que aconteceram nas ultimas 24h. Todos os dias, sem falhar! Depois de algum tempo (21 dias para se adquirir um hábito, segundo alguns entendidos), o cérebro passará a registrar os momentos bons como prioridade. E você perceberá mais dias felizes em sua vida.
Outra coisa importante de se dizer é: o que você avalia como acontecimento bom? Vou dar um exemplo pessoal. Houve uma época em que trabalhei à noite. Eu gostava bastante porque tinha o dia livre para curtir minhas filhas, participar de reuniões e festas na escola etc. Mas me lembro bem do desânimo que me dava sair para trabalhar quando a noite era fria e chuvosa. Todos quentinhos em suas camas e eu saindo de casa. Essa fase de minha vida me faz sentir, hoje, uma alegria imensa por minha cama quente nas noites de inverno. É uma felicidade que enumero em minha lista diária. Provavelmente quem não passou por isso, não se lembre de agradecer por não precisar sair na chuva. Mas é uma coisa boa do dia. Há muitas pequenas felicidades que esquecemos de agradecer por acharmos que são coisas normais. Mas são dádivas que nem todos, ou nem sempre, se tem
Então, a ideia é que, mesmo que tenha sido um “dia de cão” (nunca entendi essa expressão – os cães são criaturinhas tão felizes), ainda haverá essas pequenas felicidades diárias, os presentes do Universo para nós. Focar nelas é educar a mente para ser feliz. 
Meu texto tem o objetivo de despertar a curiosidade pelo assunto. Se alguém quiser se aprofundar, há muito conteúdo na internet.  A palestra a qual me referi no início foi proferida por Gustavo Arns na Maratona da felicidade. Ele tem vários vídeos no youtube e ao procurá-los, o aplicativo irá sugerir outros tantos com o mesmo tema. É um assunto apaixonante que nos leva a reflexão diária e autoconhecimento – chaves para cuidarmos de nós por inteiro.


terça-feira, 21 de julho de 2020

Diversão a um




Quando eu era menina, com meus dez ou onze anos, costumava ir ao cinema sozinha. Na falta de irmãos ou primos para me acompanhar, ou mesmo de uma amiga que morasse perto,  não me inibia em frequentar as matinês na companhia de mim mesma. Essa era, porém, uma das poucas diversões a qual me permitia ir sem alguém no apoio. No resto, não só na adolescência como na vida adulta, tinha sempre muita vergonha de chegar sozinha a qualquer lugar. Quando não podia fugir da situação, tentava ficar imperceptível.   Mas tinha sempre a impressão de que mil olhos me observavam (quanta pretensão). Nessas ocasiões, cada movimento de meu corpo era, por mim, milimetricamente calculado, tornando-me totalmente artificial em gestos e palavras.
Quando me casei, esse problema foi parcialmente esquecido, tendo eu a presença de meu marido na maioria do tempo. Anos depois, ao me divorciar e  mudar de cidade, a questão retornou com força total. Embora minhas filhas fossem, mesmo crianças, excelente companhia, havia momentos em que elas não podiam estar comigo. Eu ficava muito chateada em perder eventos que gostava por causa de uma limitação dessas. Foi então que comecei a buscar, lá no fundo do meu ser, aquela menina que ia ver filmes sozinha. Aos poucos fui conseguindo alguns avanços. 
Teatro e cinema são fáceis. Tentei ir à shows mas não consigo espontaneidade suficiente para dançar e sinto-me muito esquisita imóvel no meio de uma multidão que pula ao meu redor. Barzinho, só se tiver música ao vivo: sento-me lá pertinho do músico e faço de conta que ele está tocando só para eu ouvir - de costas para o resto das mesas, evito sentir (ou imaginar) os olhares questionadores em minha direção.
 Viajar foi um processo lento. Comecei por aceitar os deslocamentos quase compulsórios oferecidos pela empresa em que trabalhava. No início, fiquei bem insegura mas, como tudo na vida, o hábito tornou normal minhas andanças por aí. Às vezes, dependendo do lugar e do estado de espírito, ainda dá aquele friozinho na barriga. Mas a paixão pela estrada é maior e me ajuda a dar uma rasteira na insegurança. Além disso, olhar para toda esta minha história, me dá a certeza de que sou capaz.
Muitos desses medos, além de causados pela timidez, são parte da herança que carregamos de nossa condição de mulher, julgada e controlada durante séculos. Mesmo os homens mais tímidos não se sentem tão avaliados quanto nós, ao sentarem-se sozinhos numa mesa de bar. 
Aos poucos vamos vencendo inibições pessoais e preconceitos históricos que trazemos no coração. Cada uma com suas armas, passo a passo. E seguimos juntas!

domingo, 5 de julho de 2020

Felicidade existe?



Segundo Odair José (quem se lembra dele?), em sua música “A noite mais linda do mundo”, - felicidade não existe, o que existe (...) são momentos felizes. 
Bem mais poéticos, Tom e Vinicius cantaram que
 A felicidade é como a gota/ de orvalho numa pétala de flor:/ brilha tranquila, / depois de leve oscila/ e cai como uma lágrima de amor.
(Em minha opinião, uma das imagens poéticas mais lindas já escritas). 
Tenho na memória uma tarde de sábado: minhas filhas, muito pequenas, desenhavam sobre a mesinha de centro sentadas no tapete; meu marido lia o jornal na poltrona a minha frente e eu, com um livro, acomodava-me no sofá. A casa tinha as divisões de cômodos que eu desenhei, por muitas vezes, nos meus cadernos do colegial. O bairro era arborizado e tranquilo e tínhamos um carro na garagem (simples, pois nunca desejei luxo nesse quesito). Lembro-me bem desse dia por causa da sensação de plenitude que me invadiu. Olhei a cena como um observador externo e pensei:  minha vida está completa. Perfeita. Tudo com o que sonhei estava ali, materializado. 
Foi essa imagem que acessei quando, tempos depois, estudando Programação Neurolinguística, precisei buscar nas minhas recordações um momento em que tivesse me sentido totalmente feliz. Muita coisa aconteceu depois disso e pensar naquele tempo, hoje, me causa muita saudade. O que tento acessar, entretanto, quando penso naquele sábado, é um lugar dentro de mim que guardou a sensação de total enlevo vivida na ocasião.  Eu acho que esses momentos de puro êxtase ficam guardados em nós para sempre em um compartimento da alma. A correria, a ansiedade e a visão negativa que nos assaltam no dia a dia, não nos deixam ver esse cantinho mágico. Aprender onde ele está dentro de nós é, eu acredito, a chave da felicidade permanente. 
Naquela época, eu tinha medo dessa felicidade que eu sentia. Achava que ninguém podia ser tão feliz assim. Ninguém que eu conhecia se dizia feliz desse jeito. Eu achava que o Universo tinha me permitido essa felicidade suprema porque algo de muito trágico iria acontecer em minha vida no futuro. 
Hoje entendo os ciclos da vida, o vai-e-vem que alterna alegrias e angústias. Hoje sei me permitir. Aprendi o caminho desse quartinho da felicidade dentro do meu coração.  Quando a coisa está feia, procuro entrar nele e pescar um desses momentos de magia. Nem sempre é fácil, confesso. Sou teimosa e desaprendo com frequência. Mas quando consigo, tudo fica um pouco mais leve. 
A filosofia Budista ensina que tudo passa, tanto a felicidade quanto a dor. E, apesar do nosso querido poeta ter afirmado que a tristeza não tem fim , eu ouso contestar poetizando:
A tristeza também é uma gota /de orvalho, que cintila ao luar/pranto da aurora/que, ao sol, logo evapora/ e a alegria volta a brilhar...
(com certeza Tom e Vinícius, lá de cima, me inspiraram nessa...) 

Vocês se lembram dos momentos de suas vidas, em que experimentaram essa felicidade de perder o fôlego? Vale a pena buscar essas lembranças para sentir, de novo, aquele calorzinho gostoso no coração. Que tal? 

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Medo e coragem



Por algum motivo hoje, enquanto caminhava, comecei a pensar em meus medos. É estranho como a mente vai passeando, aqui e ali na memória, fazendo conexões e, de repente, você se vê pensando em alguma coisa aparentemente “do nada”. O pensamento escolhido, desta vez, foi sobre meus temores vencidos.
É muito bom chegar a esta fase da vida e olhar, com alívio, para tudo o que conseguimos vencer. Dá uma sensação de vitória, massageia a auto estima. O medo nos paralisa e, muitas vezes, interfere decisivamente na realização dos sonhos. Vencê-lo nos torna mais livres. Não que eu acredite que deva vencer todos os medos de minha vida. Alguns não me atrapalham, então deixo eles quietinhos, em algum canto esquecido de minha mente. Pular de paraquedas, por exemplo, é um medo que não faz diferença para mim, já que nunca sonhei em viver essa aventura. Já, conhecer o Brasil em quatro rodas é algo que ainda pretendo fazer...
E por falar em rodas, o maior medo que venci na vida foi o de dirigir. Dos meus 18 aos 35 anos fiz nove provas sem conseguir passar no exame de direção. Quando, finalmente, consegui a CNH, na décima tentativa, nem acreditei! Mantive o carro na garagem, por um ano, para não correr o mínimo risco de perder o documento provisório. A essa altura, tantos anos de tentativas infrutíferas, cheguei a deixar de lado meu sonho de adolescente de pegar estrada, ir de carro para São Paulo e dirigir por lá com a desenvoltura que admirava em minha tia Cláudia (a melhor motorista que já conheci). Dirigir na pequena cidade onde morava já era maravilhoso, pensava. Era o medo me paralisando de novo. Logo percebi e fui à luta. Hoje vou a São Paulo, a Santos, pego a Dutra... desço até a serra de Cunha!
Venci muitos outros medos durante essa jornada. O de cachorro passou totalmente quando adotei meu cãozinho Theo.  O de baratas foi controlado quando me tornei mãe e não pude mais me dar ao luxo de deixar de fazer almoço por causa de um inseto no meio da cozinha. O de dormir sozinha em casa melhorou com a maturidade, mas ainda me assola, vez por outra, conforme meu estado de espírito.
Alguns medos são vencidos todas as vezes que aparecem, numa batalha que parece não ter fim (é o caso da barata!). Outros, depois de derrotados, vão embora com o rabo entre as pernas... E há aqueles que se confundem com vergonha ou timidez.
Andar de bicicleta é um exemplo. Houve uma época em que o veículo de duas rodas era meu segundo par de pernas. Já faz muito tempo. Hoje em dia estou ensaiando para voltar a pedalar. Até já comprei uma, novinha, mas a coragem de sair por ai não veio junto na embalagem. Neste caso, não sei dizer se é medo de cair ou se é vergonha de dar vexame. Ou os dois!
Já há algum tempo venci meu medo de ir a eventos sociais sozinha. Talvez, neste caso, seja uma timidez que foi vencida. Ou seria o medo de enfrentar pessoas que não conheço?
 Enfim...
Pensar em todas essas vitórias me fez muito bem e é uma reflexão que recomendo! Há ainda muitos medos em mim mas, quanto mais caminho nessa existência, mais compreendo que superá-los é uma questão de tempo. Um passo de cada vez e a gente chega lá.
Observação de última hora: achei que este texto fosse a superação de mais um temor – o de confessar meus medos. Mas logo percebi que não é isso que acontece aqui. Confessei coragens, isso sim.
Quais são os pavores inconfessáveis que ainda vivem dentro de mim? Reflexão para a caminhada de amanhã. Assunto de outra crônica? Talvez no futuro...ou não.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Lutos

Um amigo querido, de infância, que não via há anos, deixou a Terra neste último sábado. Notícias como essas nos pegam desprevenidas e mexem com nossa estabilidade emocional. Fazem-nos lembrar que a vida aqui é finita e imprevisível. Como diz o ditado popular: “viva como se você fosse morrer amanhã. Um dia você acerta!”
A morte de alguém reverbera dentro de nós, acordando as lembranças de todos os lutos já vividos. Todos os funerais que passamos, especialmente os dos mais queridos, voltam à memória.
Uma amiga querida, que perdeu o pai também neste sábado, mencionou a hipocrisia dos velórios. Eu já pensei dessa forma. Não gostava de ver as pessoas conversando e rindo do lado de fora da sala, agindo como se fosse uma festa. Evitei esses eventos por muito tempo. Além disso, achava que os enlutados nem percebiam muito bem quem estava lá, tão envolvidos estavam com sua dor, portanto eu não faria falta.
Até que perdi minha mãe. Descobri, então, que todo ritual para velar um corpo, embora de origem religiosa, é, na verdade uma vírgula, uma pausa necessária para a mente se acostumar com a perda. Enquanto o corpo está ali, ainda que sem vida, a gente tem tempo para processar o ocorrido, com direito a viver a dor em seu mais profundo significado. E receber o carinho das pessoas de nossa rede de amigos e conhecidos. Nada como abraços para aconchegar a tristeza com seu respectivo consolo.
Acontece que, em tempo de quarentena, esse momento que nos permite sofrer no aconchego do carinho amigo nos está sendo negado. Não sem motivo, claro. Precisa ser assim. Mas imagino o quão mais dolorosos são os óbitos nesta época. De forma abrupta, o corpo sai do leito de morte direto para o cemitério. Sem pausa, sem respiro...
Uma médica, que atua em cuidados paliativos, falou sobre isso, dia desses, numa live: a dor parece que dói mais, machuca sem bálsamo.
Mas... o ser humano é adaptável. E a palavra de ordem, em 2020, é reinventar. Para amenizar a perda de sua mãe, uma amiga de um grupo de whatsapp que participo, recebeu de nós pequenos vídeos transmitindo palavras de carinho e força. As mesmas que diríamos se fossemos ao funeral.
E a família deste meu amigo, que mencionei no começo, criou o que se pode chamar de velório on line, uma solução muito interessante nesses tempos de contatos virtuais. Marcaram uma homenagem pelo aplicativo zoom e, depois de uma oração de abertura, cada participante, se desejasse, falava um pouco sobre sua relação com o homenageado. Foi lindo e emocionante. Acredito que ouvir cada amigo falar de seu ente que partiu fez, guardadas as devidas proporções, o papel do abraço de condolências e deu a família a pausa tão necessária para administrar esse momento doloroso.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

O amor maduro


Dia dos Namorados... Quantas alegrias e quantas angústias esse dia já causou em nossas vidas! O mito do amor romântico, tão divulgado nas culturas ocidentais e tão reforçado pela mídia de consumo, gera perspectivas irreais e causa muito mais decepções do que prazeres.
Felizmente, a maturidade ajuda a resolver muitos problemas. Depois dos 50, já não amamos da mesma forma. Para mim, pelo menos, muita coisa mudou.
Por exemplo: entendi que, muito melhor do que sermos duas metades de uma só laranja, é sermos duas laranjas inteiras rolando felizes pelos caminhos. E não necessariamente na mesma trilha, embora com clareiras em comum.
Hoje penso que é muito bom dormir de conchinha, mas ter uma cama só para mim de vez em quando é maravilhoso. O mesmo eu digo sobre o chuveiro!
Descobri, com o tempo, que ninguém controla ninguém e confiança e sinceridade são fundamentais para qualquer relacionamento (não só os amorosos). E ainda, que ter direito a escolhas e respeitar as escolhas alheias é um dos segredos do sucesso; e que as expectativas são mesmo um veneno.
Sexo continua importante, mas agora com mais qualidade, porque conheço melhor meu corpo e não faço concessões indesejadas.
Minha geração precisou chegar aos 50 para se libertar de sofrer por amor. Nossos filhos e netos estão mais adiantados, descobrindo cedo o segredo de se relacionar sem sofrimentos. Nem todos, é claro. Mas acho que a Humanidade está a caminho de deixar os padrões idílicos para trás e celebrar o amor em sua forma mais relevante: a que promove a paz e a harmonia.
Feliz dia do amor romântico. Ou não.

domingo, 7 de junho de 2020

Diagnóstico


Sou extremamente distraída, daquelas que passam por pessoas conhecidas sem se dar conta. Vivo no mundo da lua, como sentenciava minha mãe. 
Achei que decorresse dessa distração o fato de ter dificuldades em reconhecer rostos e ligá-los a nomes e lugares. Conversando com minha amiga e professora Zezé, comentei isso. Não é que ela me disse ser assim também? E me deu uma informação preciosíssima: havia lido que isso não era distração, mas uma deficiência real de nome complicado – prosopagnosia. 
Quem nos deu essa informação foi a maravilhosa Martha Medeiros, em uma de suas crônicas. Ficamos, então, sabendo que ela compartilha conosco o problema. Segundo ela apenas 100 pessoas no mundo foram diagnosticadas com isso, mas há quem diga que afeta uma em cada 50 indivíduos. Acredito mais nessa última informação, já que tenho conversado com muita gente que se diz má fisionomista. 
Lendo a crônica dela, fui me identificando. Quantas vezes encontrei pessoas que trabalharam diretamente comigo por um bom tempo e não reconheci, porque estavam num ambiente completamente diferente do que eu estava acostumada a vê-las. E os uniformes, então? Pôr ou tirar um uniforme para mim torna a mesma pessoa em outra totalmente diversa. Já não sei mais quem é. 
Pesquisando no Google, descobri que a disfunção é chamada também de “cegueira para feições”. A reportagem diz que pessoas com a síndrome costumam usar outros parâmetros, como cabelo ou roupa, para identificar as pessoas. É exatamente o meu caso. Ai a pessoa muda o cabelo, troca de roupa e pronto: lá se vai minha estratégia...
Obrigada Zezé e Martha, por me mostrarem que não sou desatenta. A vocês que me leem, reflitam. Aquela pessoa conhecida que não o cumprimenta na festa pode não ser a “metida” que você achou que era. 
A crônica da Martha Medeiros foi escrita em 13 de janeiros de 2013. Acho que se fosse escrita hoje precisaria de um complemento. Se, enxergando o rosto todo, nós, os portadores de prosopagnosia (nunca vou conseguir decorar esse nome!), já não identificamos o fulano, o que fazer agora que, com essas máscaras, só enxergamos os olhos?  Socorro!

NOTA: O jornal Royal Society Open Science publicou um questionário elaborado por um grupo de cientistas britânicos que visa tentar diagnosticar o problema. Eu tirei 90!!! (Sendo 100 o indicativo de reconhecimento facial severamente danificado). Se alguém quiser fazer, eis o link:
https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2015-11-04-tem-dificuldade-em-reconhecer-caras-faca-o-teste-e-descubra-se-sofre-de-prosopagnosia/

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Fé na humanidade



Uma conversa que tive esta semana fez-me pensar sobre meu modo positivo de enxergar as coisas no mundo. Questionaram-me se, por eu fazer trabalho voluntário e estar, assim, num ambiente cercado por pessoas de bem, eu estaria vivendo numa bolha de solidariedade, muito diferente da realidade da grande maioria dos seres humanos, e por isso minha fé na evolução moral da humanidade.
Ouço muito isso de ser muito otimista. É certo que sou a pessoa que vê o copo sempre meio cheio, que já foi acusada de sempre procurar o lado bom do inimigo e de ter a “síndrome de Pollyanna”. Confesso que o livro de Elenor H. Porter (Pollyanna e Pollyanna Moça) foi um marco em minha vida e que procuro, sim, jogar o jogo do contente sempre que consigo. Mas, na verdade, eu acho que é tudo uma questão de fé. O Universo, já nos provou a ciência inúmeras vezes, é de uma exatidão que nós pouco conseguimos, ainda, imaginar. Cada detalhe está dentro de regras cuja precisão nossa mente ainda não alcança. Só recentemente a ciência descobriu a potência das ondas emanadas pelos pensamentos. Assim, acredito na energia que liberamos ao vibrar positivamente e confiar no desfecho do que não conseguimos controlar.
Além disso, acredito em dar exemplo mais do que em dar sermão. Acredito, ainda, que ficar repetindo que tudo vai mal não vai fazer ficar melhor. Por isso, procuro me apegar aos pequenos sucessos, potencializando sua capacidade de gerar o bem, transformando-os em impulsionadores de melhores práticas.
Se estou sendo otimista demais, não sei. Percebo todas as nossas dificuldades e as falhas advindas do mau uso de nossa inteligência. Não estou me enganando, pintando o bolor de cor-de-rosa. Apenas acredito em acreditar e em entregar, na confiança de que tudo acontecerá não da forma que nós, com a nossa restrita capacidade de avaliação, esperamos, mas da forma que deve ser, para manter a harmonia de todas as coisas na exatidão Universal.
Irmã Dulce disse “Tudo o que acontece no universo tem uma razão de ser, um objetivo. Nós, como seres humanos, temos uma só lição nessa vida: seguir em frente e ter a certeza de que, apesar de às vezes estar escuro, o sol sempre vai voltar a brilhar”.
E o sol, as vezes, brilha entre as densas nuvens!

Nota: Para quem ainda não leu o livro Pollyanna, explico: o jogo do contente consiste em encontrar sempre um motivo para se alegrar, por mínimo que seja, em todos os problemas que nos afligem. Explicação rápida para não dar spoiler

quinta-feira, 21 de maio de 2020

A cultura do atraso



Hoje fui ao médico. Marcado para 10 horas, a recepcionista pediu-me para chegar 15 minutos antes. Cheguei. Fui atendida com 45 minutos de atraso. Uma hora de espera. Nada de estranho, não é? Quem consegue ser atendido na hora? Brasileiro nenhum, salvo raríssimas exceções.
Seja na área de saúde, financeira, serviço público, entretenimento ... Nada acontece na hora marcada e ninguém espera que aconteça. Se o evento está marcado para as 19h, nossa mente já determina que vai começar, pelo menos, as 19h15. Então nos atrasamos também, para não ter que esperar. E banalizamos a impontualidade, formalizamos a normalidade do atraso.
Só que não é normal! Ou não deveria ser. A cultura brasileira do atraso é tão forte que há situações em que não é considerado de “bom tom” ser pontual. Em casamentos, por exemplo, a noiva tem que se atrasar. É praxe que todos esperem por ela. Alguns celebrantes e alguns casais têm tentado mudar isso, mas não é fácil. O hábito está tão arraigado que quando alguém nos atende na hora, achamos que há algo errado. Já me aconteceu de duvidar da competência do profissional ao ver que ele conseguia atender todos os pacientes na hora marcada!
Com o atraso, vem a ansiedade de quem espera. Num mundo já tão impaciente, criamos mais este motivo para nos tirar a paz. Mesmo quando quem está esperando não tem nada para fazer depois, nenhum compromisso com ninguém, a espera traz irritação.
No meu caso, quando percebi que estava ansiosa à toa, relaxei. E para passar o tempo, pedi uma caneta na recepção e rascunhei essa crônica no envelope que continha meu exame anterior. Valeu! Mas gostaria que passássemos a encarar pontualidade como ponto de honra (com o perdão do trocadilho infame).



quinta-feira, 14 de maio de 2020

Passado e futuro se misturam na melhor versão de cada um




Vi hoje, na internet, uma notícia sobre um drive-in que será instalado no Rio. Quando eu era adolescente morria de vontade de ir num desses lugares que via tanto nos filmes dos anos 60. Na minha época, no Brasil não existiam. E mesmo que existissem, seria necessário um carro, coisa que só fui ter já casada e morando em cidade de interior que mal tinha um cinema convencional.
Esse retorno modernizado do cinema dentro de carros me fez pensar sobre o quanto o futuro traz de volta o melhor do passado. Já perceberam? O próprio cinema tradicional, depois de quase extinguir-se de vez, voltou glamoroso nos Shoppings do país e do mundo. Com alta tecnologia, estão sempre lotados, mesmo em tempos de blu-ray e da tecnologia de streaming (tipo Netflix, Prime vídeo etc.).
As moradias também passaram por isso. Nas grandes cidades, há mais de meio século, o centro era um lugar chique de se morar. Depois, bairros nobres substituíram a preferência dos mais abastados. Hoje, com o trânsito caótico, todos querem voltar a morar no centro e deixar o carro na garagem. Virou chique de novo. E os móveis e roupas retrô ou vintage? São o que há de mais atual.
A quarentena, segundo dizem estudiosos, está funcionando como um acelerador de futuro. Pode ser. Mas, se pensarmos bem, funciona também como um acelerador de volta ao passado. Voltamos a ficar mais tempo em casa com a família; a nos divertimos com atividades simples; estamos cozinhando mais, telefonando para os amigos e parentes (em vez de só mandar mensagens). Conseguimos, de novo, enxergar o céu azul, as estrelas, os peixes dentro de rios. Diminuímos o consumismo, que havia se tornado exacerbado nos últimos tempos. Voltamos a ter tempo e vontade de conversar...
O mundo evolui, a tecnologia avança constantemente, muita coisa se perde. Mas o que é bom, de verdade, sempre acha um jeitinho de retornar.
Quais coisas boas do seu passado você está conseguindo trazer de volta?

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Massagem nos pés

Nesta semana do dia das mães, quero compartilhar com vocês um texto que escrevi como atividade em um curso que fiz com a querida Ana Holanda no final do ano passado.

O QUE APRENDI COM MASSAGEM NOS PÉS
Quando vou a massagista logo aviso: “Demore bastante nos pés porque eles gostam muito". Eu adoro. Dizem que todas as partes do corpo estão representadas nos pés.  Por isso, talvez, o bem estar geral que tal massagem provoca.
Há alguns meses passei um tempo morando com minha mãe, que ficou doente. Um dos incômodos causados pela doença foi a friagem nos pés. Para aquecê-los , antes de calçar-lhe as meias de lã,  passei a fazer uma massagem com creme.
Minha mãe sempre foi uma mulher muito reservada em relação aos sentimentos. Ela era daquelas pessoas que nunca tomavam a iniciativa do abraço e, quando se via abraçada, demonstrava um certo incômodo e logo dava um jeito de fugir do laço. Abraço de 30 segundos com ela? Nem pensar.
Foi, portanto, com surpresa (minha e dela) que a ouvi dizer o quanto era gostosa aquela massagem e que nunca lhe haviam feito algo semelhante.
- Como assim? – pensei eu – aos 82 anos nunca tinha tido o prazer de uma massagem nos pés?
Ela gostou tanto, que passou a me pedir todos os dias, mesmo que os pés não estivessem frios.
O interessante é que o prazer foi mútuo.  Fez -me tão bem massageá-la! O prazer daquele toque , que mal nos permitimos por anos. O cuidado, o contato, que ela nunca me confiou.
Aqueles pés sustentaram nossas vidas, minha e dela. E mais! Suportaram o sustento da família, nas caminhadas diárias até o ponto do ônibus para ir ao trabalho e dele para casa, todos os dias, religiosamente, por anos a fio. Pés que a firmaram em pé,  em ônibus lotado, com sacolas nas mãos. Pés sempre elegantemente calçados com sapatos de saltos em uma altura que eu jamais usarei, mas que para ela era natural.
Pés que foram base para ela, como base ela foi pra mim.
Foi pelos pés que nos reencontramos, que redescobrindo nosso contato, nossas carícias perdidas de mãe e filha. Foi pelos pés que ela entregou, finalmente, a responsabilidade de seu cuidado a mim.
No hospital, pouco antes dela parar de respirar, eu olhei seus pés que haviam saído para fora do cobertor. Senti-me culpada porque havia esquecido de lhe cortar as unhas.

Luciane Madrid Cesar
SP 07/12/2019


quarta-feira, 29 de abril de 2020

Eu vou me permitir!


Hoje amanheci desesperançada. Às vezes acontece. Há dias de muita energia e há dias de recolhimento e melancolia. Eu sempre tive. Nada tem a ver com a pandemia ou a reclusão, embora sejam assuntos que fazem parte do conjunto de amarguras pelo destino da Humanidade que por vezes me abate.
Quando um dia desses me invade, só tenho vontade de rever filmes ou reler livros já conhecidos e amados, acompanhados de uma caixa de chocolates. Esse foi o primeiro pensamento que tive hoje logo pela manhã, ao constatar meu estado de ânimo.
Minha mente investigativa estava, porém, alerta, e meus pensamentos tomaram rumos inesperados. Perguntei-me: porque só desejo filmes e livros já conhecidos nestes momentos? Segurança - é a resposta. Passamos a vida a seu encalço. Às vezes, nem percebemos. Há momentos em que as emoções positivas camuflam nossa sensação de insegurança e não nos damos conta de sua importância. Porém, basta um dia nublado em nosso íntimo para buscarmos ao redor qualquer coisa que nos faça sentir seguros. Alguns terapeutas recomendam, para restaurar nossa confiança, a posição fetal ou o retorno às memórias da infância, nossas referências mais fortes de amparo. A rotina é, também, algo que nos dá segurança, mesmo aos que não gostam ou fujma dela.
Falando sobre dias cinzentos, não posso deixar de citar minha “síndrome de domingo”, assim batizada por meu ex-marido, alvo constante de meu mau humor dominical. Desde criança sinto uma grande tristeza, sempre aos domingos. Agora adulta e (muito)experiente identifico o problema: domingo não segue a rotina. Você acorda mais tarde, almoça fora de horário, não tem trabalho, não tem novela nem Jornal Nacional. Interessante que, mesmo não trabalhando mais com hora marcada e não assistindo TV, a síndrome ainda me pega. Talvez esteja ligada, não a minha rotina, mas ao cotidiano do mundo!
Entretanto, hoje não é domingo. É uma quarta-feira linda com um sol maravilhoso. Ainda assim amanheci desesperançada...
Não vou racionalizar. Vou apenas me permitir. Tristeza, angústia, melancolia são sentimentos que estão aqui dentro de mim, reivindicando seus direitos de se mostrarem ao mundo. Pois bem, hoje é o dia. Sem cobranças, sem culpa. Já separei, aqui, uma caixa de lenços de papel, uma playlist de Bossa Nova e outra do saxofonista Stan Getz (que me foi, providencialmente, indicada pela amiga Maria do Carmo). O livro, A Graça das coisas, de Martha Medeiros. Os filmes “Comer, Rezar e Amar” e “O turista” (ambos Netflix). E amanhã é outro dia!
Alguém aceita um bombom?

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Puxando minha própria orelha.



Hoje fui ao supermercado. Munida de máscara e óculos escuros, dei sorte e não peguei fila para entrar. Havia pouca gente, menos que o limite permitido para a quarentena. Na porta, um funcionário mediu minha temperatura no pulso (eu nem conhecia esse tipo de termômetro) e  ofereceu álcool em gel para higienização.
Senti-me em um filme de ficção cientifica. Só que não do jeito bom, cheio de tecnologias... Daquele jeito onde tudo piorou e a liberdade de ir e vir não exite mais. E essa é uma situação recorrente: escritores e roteiristas apenas antecipam em suas obras um futuro que, certamente, virá.
Andando pelo supermercado, achei o ambiente extremamente escuro. Pensei: "será que estão economizando energia com medo da crise econômica?" Ao cruzar com outra cliente, ela comentou:
- Essa máscara atrapalha a visão, né?
E eu pensei: "não é a mascara, é a luz do supermercado que está fraca!"
Continuei circulando pelos corredores fazendo minhas compras e reclamando mentalmente da iluminação do lugar. Já estava mesmo disposta a ir falar com a gerência quando, ao acaso, levei a mão ao rosto e percebi o problema: eu estava com os óculos de sol!!!
Apesar de todas as mudanças que ocorrem no mundo, os Seres Humanos mantém seus vícios. Um deles é julgar sem avaliar os argumentos. É o que a gente mais faz. É o que sempre se fez. Emitir julgamentos é, na verdade, uma estratégia de defesa de nossa mente para nos avisar de perigos. O problema é saber quando e como julgar. Na maioria dos casos corriqueiros, julgamos sem necessidade e sem elementos suficientes para emitir um veredicto.
No caso dos meus óculos, embora não tenha destratado ninguém por causa de um erro meu, senti-me envergonhada pelo julgamento precipitado que gerou um monte de impropérios (ainda que não ditos) a pessoas que não tinham a menor culpa. Marshall B. Rosenberg, em seu livro Comunicação não violenta, nos diz que a observação é a primeira coisa que devemos fazer antes de qualquer interação consigo ou com outro. No meu caso, a interação foi comigo mesma e gerou um estado de irritação que era desnecessário. Nesse mesmo livro ele cita o filósofo indiano J. Krishnamurti: "observar sem avaliar é a forma mais elevada de inteligência humana".
O trajeto que minha mente seguiu nesse episódio é, com certeza, um caminho muito comum para todos nós: percebemos algo errado e logo emitimos um julgamento, muitas vezes responsabilizando uma outra pessoa. É aí que os conflitos começam.
Sai do mercado com as compras na mão e o pensamento em penitência. Por pouco não corri até a gerente e me desculpei com ela e com todos os funcionarios. Iriam me achar maluca, não é mesmo?

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Amor de mãe


Por 54 anos em minha vida, minha mãe foi uma das primeiras a me dar felicitações em meu aniversário. Muitas vezes, antes mesmo do marido, deitado ao meu lado. Nos muitos anos que passamos morando longe uma da outra, ela me ligava logo cedo cantando os primeiros versos de “Parabéns a você”, com o amor transbordando em cada palavra.
Este ano o telefone não tocou...
Nos últimos meses, desde sua morte, tive vontade de escrever sobre o que é perder a mãe. Muitos, entre os que leem essas minhas palavras, já sabem, talvez há bastante tempo. Outros só imaginam. Quando eu era mais jovem ouvia dizerem que as mães deveriam viver para sempre e, no auge da sabedoria de meus vinte e poucos anos, achava isso um exagero. Não acho mais...
Quando elas se vão, a gente se dá conta de que está indo embora a pessoa que mais nos amou neste mundo todo. Por mais que as relações sejam difíceis... por mais que a distância (física ou emocional) seja grande... A mãe é aquela pessoa que quer sempre o nosso bem, ainda que discordem de nossa conduta. Toda regra tem exceção, é claro, mas as estatísticas apontam porcentagens elevadas a favor deste conceito. Nem sempre as entendemos, nem sempre as aceitamos como elas são. Mas sempre nos sentimos amparados por seu amor.
Perder a mãe, em qualquer idade, nos faz sentir uma solidão profunda, um desamparo emocional que a gente não explica. Perder a mãe é, definitivamente, amadurecer tudo que nos faltava de uma só vez. Acabou o mimimi. 
Agora, viver é só com a gente, sem colinho para chorar. 



segunda-feira, 13 de abril de 2020

Aniversário


Enquanto voaram os anos,
eu andei depressa,
quase desandando no caminhar.
Passaram amores, trabalhos, canções...
Passaram as pedras em que tropecei.
Apertei o passo,
acelerando as rugas e os cabelos brancos.

Um dia parei e consultei a bússola.
Percebi que andei bem e a direção estava correta
Era hora de diminuir a toada.
Fui deixando a correria,
mesmo sabendo que ainda havia muito para caminhar.
A pressa não faz mais parte do roteiro.

Agora já posso olhar com calma a paisagem.
Encontrar os amigos que sempre estiveram ao meu lado
e que também começam a desacelerar o passo.
Posso olhar para meu canteiro de vida, observando o que plantei:
Ali estão as duas sementinhas
que me foram confiadas pelo Criador.
Cresceram no bem, verdadeiras, amorosas, justas.
Estão prontas!
Posso também enxergar, em detalhes, o mundo que me rodeia:
tão cheio de cores e amores, embora ainda bem imperfeito.
E, sim, posso olhar com o devido carinho
para dentro do meu coração.
Ele está repleto de paz.
Repleto de gratidão pelo trajeto já trilhado.
Nele habita agora uma força diferente.
É aquela que vem da vivência,
que conforta, acompanha,
e não esmorece jamais.

Dou, então, a mim mesma,
as boas-vindas à segunda parte do meu caminho.
Essa é a parte da plenitude,
a parte do autoamor.
É o momento da Colheita.


domingo, 12 de abril de 2020

Para além da tradição cristã

   

Há alguns anos recebemos em nossa casa para o feriado de Semana Santa, um amigo da Bulgária. Foi uma oportunidade única de conhecermos costumes de um povo tão diferente de nós. Vocês sabiam que a tradição por lá não são os ovos de chocolate? Como assim, Pascoa sem chocolate? Vou me lembrar de não passar a páscoa por lá... Mas eles tem um costume bem legal: pintar ovos de galinha cozidos e arrumá-los em cestas para enfeitar a casa. A família toda participa da pintura, que é uma festa de criatividade, especialmente para as crianças. E o animalzinho símbolo por lá é o pintinho. Faz mais sentido, né? Conhecer costumes de outros povos nos ajuda a entender que ser diferente não torna ninguém melhor ou pior.

Sobre a Pascoa, separei um artigo da editora abril que nos explica de onde vêm as tradições que replicamos ano após ano. Está no link abaixo. Boa leitura!!

https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/voce-sabia-que-a-festa-da-pascoa-e-mais-antiga-que-jesus-e-os-judeus/

domingo, 5 de abril de 2020

Delicadeza e força

Há uma infinidade de palavras já escritas que nos acalentam a alma. Escritores de todos os gêneros e nacionalidades trazem para nós a definição de nossos sentimentos.
Cora Coralina é uma dessas mentes iluminadas. Nascida em Goias/GO, começou a escrever ainda criança, mas só teve seu primeiro livro publicado aos 75 anos. Inspirador, não acham? Sempre é tempo de realizar sonhos...
Se tiverem oportunidade, assistam ao filme infantil de 2017  "O Colar de Coralina" - de Reginaldo Gontijo. Estrelado por Letícia Sabatella é baseado no poema "O Prato azul pombinho" da poeta. Embora não tenha alcançado sucesso nem de critica nem de público, dá-nos uma boa ideia da vida de Ana (verdadeiro nome de Cora Coralina), uma menina que gostava de ler e escrever na patriarcal Goiás do final do seculo XIX.
Disponível para alugar na Google Play Filmes e no Youtube

Por agora, deliciem-se com essa preciosidade que nos acaricia o coração neste momento de incertezas.

Aninha e suas pedras
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede
Cora Coralina   

               


quinta-feira, 2 de abril de 2020

Começando uma nova etapa.


Às vésperas de completar 55 anos, no meio de uma quarentena e de uma organização de casa nunca vista em minha vida, aqui estou eu iniciando um blog. Ele já estava planejado há anos (desde que fiz 50) e, a princípio, deveria chamar-se “A outra metade”, referindo-me ambiciosamente a segunda metade de minha existência, os próximos 50 anos.
Percebi, porém, que poderia ser confundido com a outra metade da laranja e atrair jovens românticos (ainda existem?) à procura da fórmula mágica sobre relacionamentos. Assim, depois de queimar alguns neurônios, achei um nome mais adequado para este blog, que tem a pretensão de entreter e informar a nós, mulheres experientes em busca de qualidade: de vida, de humor, de amor... 
E, falando em quarentena, em arrumação, faxina, desapego... minha casa mais parecia o dia seguinte de um furacão quando o isolamento social começou. Confesso que sou um pouco acumuladora e já tinha a casa cheia de coisas do tipo “talvez possa precisar um dia” quando, subitamente, tive que trazer para minha residência as coisas de minha falecida mãe. Para que entendam o problema, preciso lhes dizer que ela foi minha mestra na arte de acumular...  O resultado: minha casa parecia o dia seguinte de um furacão!
Desde julho passado, quando trouxe para mim a bagagem dos 80 anos de vida de minha mãezinha, não havia conseguido encontrar a logística (nem o ânimo) para destralhar, desapegar, organizar... Mas, em 15 dias de pandemia, já consegui eliminar 90% da bagunça. Tédio na quarentena? Não sei o que é isso.
O Universo é sábio.
Arrumar minha casa, minimalizar tudo, ter só o necessário para este momento, está fazendo maravilhas com meu bem estar. Sinto-me iniciando uma nova etapa. Mais de 50 anos de vida, já é tempo de saber o que realmente me é útil e prazeroso. E descobrir que a gente fica mais leve com menos matéria a nossa volta...
A esse respeito, a revista Vida Simples fez uma matéria incrível sobre os diversos métodos de organização e desapego. Dê uma olhada. https://vidasimples.co/transformar/como-organizar-sua-casa-e-viver-so-com-o-essencial/